quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Nunca fui refugiado



Hemad Nazari


Nunca fui refugiado. Não quero passar pela experiência em corpo, mas passo-a na escuta. Há dias que dói e muito. Tira-me o sono depois de algumas conversas, onde a morte é palavra recorrente, pela fuga, pela tentativa de suicídio no desespero de não aguentar mais as dores, físicas e psicológicas. Elas violadas, eles também. Engravidam de forma diferente, onde o medo, a dor, a vergonha são presença constante, no trauma que leva tempo a aliviar mesmo estando longe dos torturadores. Buscam ajuda, tentam viver abraços. A rua tem sido a morada de muitos até conseguirem uma casa, mesmo que não seja lar. O exercício de se pôr na pele do outro é difícil e exigente. Sim, tira o sono, ou dão as lágrimas que o Papa Francisco há dias dizia ser a melhor resposta. Nesse trauma, por vezes, escutamos o que parece ser arrogância, exigências e falta de humildade. De facto, nunca fui refugiado, mas sei que a dor pode transformar-se em algo destrutivo. Tal não é voluntário, são memórias cravadas na pele que querem ser arrancadas. É preciso paciência, muita. E respeito, muito também. Os traumas necessitam de espaço para sair e nem sempre é como se deseja. Há dias que dói e muito. Nesses dias, respiro, agradeço a vida e preparo-me para acolher outra possível dose de dor que se liberta. Nesse momento, é quem escuto que importa. Dá-se a experiência do silêncio de mim, para dar espaço ao grito do outro… e nesse grito surge um pouco da liberdade em tempos perdida, permitindo que a vida possa ser a principal palavra.

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