Shinichi Maruyama
Gosto de ser diácono nesta Igreja concreta. Espero vir a ser um bom padre: para isso me formo, humana, espiritual, psicológica, comunitária, intelectual e realmente. Gosto de ser diácono. Espero vir a ser um bom padre: não perfeito, nem puro, nem imaculado, simplesmente humano que busca testemunhar a beleza de Deus.
Estive a ver o programa Linha da Frente (RTP1) sobre o “Pecado na Igreja”. A reportagem tem que ver com a Igreja, da qual já sou clero, e tenta provar que o voto de castidade e de celibato não têm sentido. Fiquei incomodado. Explico porquê, mas sem rasgar a vestes.
1. Já sabemos que tudo o que tem que ver com sexo torna-se numa temática relativamente apetecível e que capta facilmente a atenção. O sexo está na moda e quer-se fresco. A piada sexual tem riso garantido. A publicidade mais erótico-sexual tem garantida atenção. O filme ou telenovela que tenha sexo garante audiência. Lá vem a tal história do fruto proibido mais apetecido e tal e “coiso” (no seu duplo sentido). E se metemos padres, pois então, melhor ainda. No entanto, se eu perguntasse às pessoas com a mesma naturalidade com que me perguntam, literalmente, sobre a minha vida sexual, de muitas arriscar-me-ia a levar um estalo, acrescido de um “não tens nada que ver com isso” e “isso não é da tua vida”. E com razão, porque não é mesmo.
2. Sei que muita gente opina que deveríamos casar, que seríamos mais felizes, menos frustrados e por aí fora, sobretudo a partir de “estudos” com base “na minha opinião pessoal”. Já tenho perguntado a pessoas: “Se eu, Paulo, me pudesse casar, tu dormirias melhor, ou isso mudaria a tua vida?” A coisa muda de figura quando sei de pessoas que passaram por situações delicadas de assédio e, claro está, que podem ser filhos(as) ou neto(as) de padres. A situações diferentes, tratar de maneira diferente. A humildade a isso leva.
Para mim, uma das coisas importantes é não tomar ninguém por parvo ou por parva. Ou seja, por um lado, não reduzir os padres todos a uma cambada de perversos, por outro, não levarmos as pessoas a lugares comuns, em que se percebe que se dá a resposta técnica 23, chapa 5. E muito menos, fazer uma troca de “galhardetes” de julgamentos de parte a parte. Cá está, nem as pessoas que estão fora da Igreja são umas atrasadas mentais e, menos ainda, umas pecadoras, nem as que estão dentro, em especial os padres, os consagrados e consagradas, são igualmente atrasados mentais e pobres coitados ignorantes da vida.
3. Gostei muito da resposta e da reacção do Luís Palha (sim, jesuíta) quando diz que “hoje está plenamente convicto de que quer ser jesuíta o resto da vida, mas que amanhã não sabe”. Ah, aqui está o argumento de que afinal... afinal... não está tão convicto. Não, “hoje”, com a realidade que conhece está convicto. No entanto, reconhece que absoluto só Deus e não a decisão.
Para quem vive a descoberta da vocação e faz o caminho de formação com verdade, honestidade e humildade, sabe que há dias que a alegria impera e que há outros que é terrível. Não, não é porque não pode ter uma relação sexual... a obediência e a pobreza também entram em jogo. Eu próprio, no meu processo vocacional e de formação, sou jesuíta há 9 anos e meio, já passei por naturais crises que todo o ser humano vive, onde tanto me passou pelo pensamento. Com boas conversas, partilha franca e sem julgamentos, foram patamares de crescimento pessoal. Hoje sou diácono e é difícil explicar a felicidade que sinto, junto com o desejo enorme de querer ser padre.
4. Um dos grandes problemas que, a meu ver, atravessamos actualmente é o da falta de comunicação. Esta leva a que haja desconhecimentos de parte a parte, fomentando medos, preconceitos, desconfianças e, sobretudo, a redução de realidades às situações mais negativas. Por exemplo, da parte da Igreja: o mundo é mau, são todos uma cambada de pecadores; da parte do “mundo”: a Igreja é retrógrada e não evolui. Se calhar ambos têm o seu quê de razão, mas, como escrevia ontem, não se pode exigir a ninguém a perfeição que não se tem. No meio disto tudo, quem sofre é quem quer promover um bom diálogo, para crescer juntos. Por tudo isto, estou incomodado. Há feridas e situações que nós, Igreja, temos de enfrentar, sem medos e com humildade diante de Deus e da humanidade.
Termino como comecei, para no caso de ter ficado esquecido: Gosto de ser diácono nesta Igreja concreta. Espero vir a ser um bom padre: Para isso me formo, humana, espiritual, psicológica, comunitária e realmente. Gosto de ser diácono. Espero a vir a ser um bom padre: não perfeito, nem puro, nem imaculado, simplesmente humano que busca testemunhar a beleza de Deus.
E o bom, no meio disto, é que há muitos mais como eu. Tal como fantásticos pais de família, que dão o melhor pelos filhos. Sem esquecer as imensas grandes mulheres que vivem muito bem a sua entrega como consagradas, tal como as muitas mais outras que dão o seu melhor como mães.
Cada vez gosto menos de “lugares comuns”. Cada vez gosto mais de Deus que ama, ponto.
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