sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

O mundo e os desejos [da Samsung à Chanel, passando por Deus]




Frederick Helwing

Não me considero uma pessoa que está acima do “bem e do mal”: vícios, desejos materialistas e pecados moram também por aqui, partilhando o espaço com qualidades e capacidades. Não vivo numa neutralidade afectiva, as coisas ditas ou escritas não se remetem a uma impassibilidade indiferente. 

Depois da agitação de ontem, e de hoje pelos vistos, sobre os famosos desejos, fiquei a pensar na encarnação. “O quê, agora também se vai pôr Deus e Jesus ao barulho?” ou então, “Ui, lá vem moralismo da Igreja que, claro está, vai condenar a futilidade, a superficialidade e essas coisas todas!”. Pois, a Encarnação é no mundo na sua totalidade. 

Como escrevi no post de ontem, o problema não são os desejos, esses fazem parte de cada um de nós. São reveladores do nosso contexto, sim, são. Se me perguntassem os meus diria: que se fechem os Centros de Internamento de Estrangeiros, que acabe a guerra na Síria e a matança que ocorre no Congo, que haja justiça em Portugal, mas também tenho um escondido mais materialista: gostava de ter um iphone. Ui, escândalo! Um jesuíta a desejar algo... assim tão materialista. Bem, desejo, mas não necessito e se não tenho não desespero, como acontece na realidade. Reconheço o trabalho interior que tenho feito, para com naturalidade ir percebendo o que é mais importante, para além do ter isto ou aquilo. Confesso que quando ouvi os desejos, antes de toda a confusão gerada, pensei: “Podem ter, que bom para eles.” Não senti ponta de inveja. 

O que me entristece é a condenação pública que facilmente se faz nos dias de hoje. Muitas palavras que tenho lido são como pedras em direcção às pessoas, nomeadamente à agora famosa Pépa Xavier, como se fossem as mais execráveis à face da terra. 

A Samsung foi muito infeliz, com erros de casting e briefing, onde, obviamente, se pode sentir indignação entre o contexto da publicidade e o contexto social em que Portugal vive, sim. No entanto, já se viu que quando as pedras voam (tenho na memória a última manifestação em frente à Assembleia da República), alguém fica mal, muito mal. E se os desejos podem dizer algo de quem os formula, as pedras atiradas também. 

Há valores mais importantes que o ter uma carteira Chanel, sem dúvida que há. Um deles podia ser formulado desta forma: “não me julgues imediatamente por eu desejar de uma forma diferente da tua.” 



6 comentários:

  1. Não conhecia este blog e vim cá parar à conta desta polémica. Sábias palavras.

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  2. Olá Violeta,

    Bem-vinda!
    Obrigado, pela visita e pelo comentário.

    :)

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  3. É isso mesmo.
    Depois da Isabel Jonet, parecia um novo linchamento em praça pública... Deixando pousar toda a poeira, o que me parece mais sério nesta situação é verificar o estado de crispação de algumas pessoas. O que fazer? Bem vistas as coisas, essa raiva manifesta dor, manifesta desejo de justiça; mas - porque mal canalizada - atinge quem é inocente.
    Seria bom que todos tivéssemos uma aulas de "inteligência emocional" e aprendêssemos a canalizar a raiva para a construção da justiça!

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  4. João,

    Sim, quase como "bode expiatório" para canalizar a dor que se leva dentro. No entanto, responder ao mal, ou ao que não se gosta, com mal, mais mal gera.

    Abraço!

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  5. 1. são essas noticias que fazem "parar" o mundo?!

    2. já não se pode sonhar?!(numa entrevista na tv disseram à rapariga: "...e agora um desejo em condições"!!!
    Mais de que um julgamento, foi uma condenação. O mais "triste" é que a rapariga não fez mal a ninguém.
    A muitos outros que estragam vidas não os entrevistam nem criticam...)

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  6. Je suis... noir, dá que pensar, não é?

    Fiquei muito triste... não com os desejos, evidentemente, mas, como se nota pelo texto, com a condenação. :(

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