quarta-feira, 17 de setembro de 2008

FELIZMENTE...

«Sou menos crítico de Bush do que está na moda sê-lo, embora seja severamente crítico da maneira inacreditável como o day after decorreu no Iraque.

Em todo o caso, os juízos quanto a Bush estão a mudar, tal como aconteceu com Reagan, que a esquerda também não se cansou de ridicularizar. Uma revista equilibrada como a Prospect, no seu número de Agosto, já inclui um artigo de Edward Luttwak, em que se pergunta se Bush não teria afinal razão em vários aspectos principais do seu mandato e, muito em especial, na luta sem quartel que desarticulou o "global jihadism" terrorista depois do 11 de Setembro, bem como na desnuclearização (Líbia, Síria, Coreia do Norte), na posição de firmeza relativa ao Irão (lá onde a Europa falhou completamente), e até na evolução das relações económicas dos Estados Unidos com a China e a Índia.

De resto, a economia dos Estados Unidos não tem vindo a portar-se assim tão mal apesar da crise do subprime: crescimento médio anual de 2,2% entre 2001 e 2007, expansão económica da ordem dos 19%, desemprego da ordem dos 4,7% (na Zona Euro, foi de 8,3% no mesmo período). Para um estudo Gallup, só 9% dos americanos estão descontentes e receosos de perder o emprego; para outra sondagem (Harris Interactive), 94% dos americanos estão satisfeitos com a vida que têm (estes e outros números são apresentados por Nicolas Lecaussin no Figaro de 11.9.08).

O argumento de que a maioria dos europeus prefere Obama a McCain não tem qualquer peso eleitoral, só mostra a parvoíce dos europeus e como acaba por ser eficaz a diabolização que a esquerda se encarrega de promover desde que se trate dos Estados Unidos e dos republicanos, enquanto se vai babando, extasiada, de socialismo prospectivo.

Obama como símbolo de ultrapassagem da questão racial não interessa nada. A questão está resolvida nos Estados Unidos e os grandes marcos dessa tradição até são republicanos. Como Yves Roucaute recordava há duas semanas (Figaro, 4.9.08), o partido republicano foi criado por Abraham Lincoln contra o partido democrata esclavagista; o voto aos negros foi dado pelo republicano Ulisses Grant em 1870, e não pelo democrata que o antecedeu, Andrew Johnson; o partido democrata só começou a aceitar a igualdade de direitos em 1961; a primeira nomeação de afro-americanos para cargos como o de chefe de Estado-maior e o de secretário de Estado foi feita pelo republicano George W. Bush.

Mas deve perguntar-se o que é que pode significar para a Europa a eleição de Obama. Ele acabará com os benefícios fiscais para as empresas que criem emprego fora dos Estados Unidos, isto é, bloqueará as deslocalizações americanas para a Europa e a Ásia, e procurará repatriar o investimento americano no estrangeiro. Reforçará as barreiras aduaneiras. Defenderá o proteccionismo e a guerra económica. Quererá renegociar as condições de existência da NAFTA, impedir a entrada nos Estados Unidos de produtos dos países emergentes e também dificultar a concorrência europeia.

Diferentemente, McCain, que fala de mercados estrangeiros abertos para os agricultores norte-americanos, defende esforços multilaterais, regionais e bilaterais que permitam reduzir as barreiras ao comércio e conseguir o cumprimento "fair" das regras de comércio global. Tudo isto vem ao encontro de interesses europeus numa mundialização a que nenhum país escapa.

Quanto ao Irão, ao Iraque, a Israel e outras questões da mesma natureza, Obama tem sido sucessivamente contraditório, não havendo uma ideia clara quanto às suas verdadeiras intenções... O ponto em que tem sido mais afirmativo respeita a uma retirada das tropas americanas do Iraque sem atender às consequências, matérias em que McCain defende soluções mais moduladas, mais realistas e mais sensatas.

A eleição de Obama poderá sair muito cara a uma Europa em crise múltipla, pateticamente destituída de qualquer capacidade militar digna desse nome e cronicamente dependente do parceiro americano para a segurança dos seus cidadãos e do seu território. Sabe-o a esquerda, e por isso exulta. Sabe-o a direita, mas só agora começa a dizer alguma coisa. Enfim, afigura-se que McCain vai ganhar. Felizmente.»

Vasco Graça Moura, in Diário de Notícias, 17 de Setembro de 2008

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