"Ninguém me tira a vida; sou Eu que a dou por mim mesmo" (Jo 10, 18)
Por muitas e variadas situações tenho pensado no que é isto de dar a vida… Como tenho muitas vezes dito, não sou Cristão, vou sendo, já que não sou Cristo, mas quero identificar-me cada vez mais com Ele.
Acabei de ver o filme “Os Olhos da Ásia” que retrata, entre muitos aspectos, a vida de Julião Nakaura e Cristóvão Ferreira, dois Jesuítas missionários no Japão. Nakaura morreu mártir, Ferreira renegou a sua fé… O meu pensamento voou para um outro filme que vi há pouco mais de um mês: “O Pianista”, com o holocausto como pano de fundo.
Vou para a capela e pensei, como penso e tenho pensado: O que é isto de dar a vida? Serei capaz? Não o faço já? De que forma? Como? E se agora alguém, aqui na nossa realidade, decidisse mandar matar alguém pela questão da fé, crença, realidade pessoal? E se fosse eu? De facto, entreguei a minha vida para que eu seja instrumento de Deus, ou seja, que seja capaz de acolher as pessoas, perdoar, no fundo amar como Ele amou. E dar a vida na totalidade, serei capaz? Este filme ajudou-me a perceber o quão difícil é rezar o
“Tomai, Senhor, e recebei toda a minha liberdade, a minha memória, o meu entendimento e toda a minha vontade, tudo o que tenho e possuo; Vós mo destes; a Vós, Senhor, o restituo. Tudo é vosso, disponde de tudo, à vossa inteira vontade. Dai-me o vosso amor e graça, que esta me basta”.
Neste mundo que se agita diante de tanto, onde milhões de pessoas se contorcem na busca do sentido, gostaria de ser capaz de entregar a minha vida de forma plena. É um sonho… Na penumbra da capela, apenas com a luz do Santíssimo acesa, olhava para a sombra do crucifixo e pensava: Curioso como os vencedores contam a história, mas por mais que a contem sob os olhos do poder, nunca poderão nada diante de quem entrega a Vida por si, na totalidade… Por mais doutrinas que tenha, se não tiver amor de nada me serve… Por mais razões e verdades que detenha, se não tiver o olhar direccionado, por Amor, para o outro, nada me vale…
Paulo, li e reli o seu texto e pergunto-me, o que é “dar-se totalmente”? Sei que fala numa perspectiva de Fé, no sentido da renúncia a si próprio até um limite que não vê e que sente sempre mais além. Mas o que me intriga é essa dúvida, essa exigência abstracta, digamos assim, porque, fora da Fé, todos nos confrontamos com a mesma questão desde que se Ame alguém. Cada dia, com os nossos filhos, com os nossos pais, mesmo com os nossos amigos, às vezes só com quem simplesmente conhecemos, sentimos essa exigência permanente: darmo-nos para além dos nossos limites do egoísmo, da vontade de ficar a pensar em nós próprios, a fazer o que nos apetece, e eles ali, a precisar de atenção, de um gesto de cuidado, da sopa na mesa ou de um sorriso num momento mais triste. O facto de sermos capazes de dar, a cada momento, às vezes contrariados, de vez em quando menos do que podíamos, mas damos sim, voltamos a dar e mil vezes achamos que demos pouco, só assim nos medimos. Ficar a pensar até onde podemos alguma vez ir, quão longe é possível abdicarmos de nós próprios, parece-me um exercício um pouco vão (não me leve a mal, permita-me que lhe fale assim directamente). Nunca saberemos qual o limite dessa entrega, havemos de ir sempre mais longe do que imaginamos e havemos sempre de ficar aquém do que seria preciso. Se calhar, mesmo morrendo. Por isso penso que nunca terá essa resposta se a procurar assim, na sua mente, só a terá dia a dia, minuto a minuto, cada vez que estender a mão para alguém que lhe pede ou mesmo que não peça mas que o Paulo soube ver. E quanto mais olhar, mais aprenderá a ver, só se conhece o que se ama mas só se aprende a amar quem se conhece… Enfim, desculpe esta invasão do seu espaço, mas não resisti! Gosto mesmo muito do que escreve, obrigada por o fazer.
ResponderEliminarMoura, muito obrigado...
ResponderEliminarMeu Deus, como as suas palavras fazem sentido. E não tenha problemas em "invadir" o meu espaço. Se escrevo aqui, num blog, de alguma forma também é para dar um pouco de mim, do que sinto e do que vivo. Pergunto-me se também não será por aqui dar a vida. Acredito que sim.
Quando estes pensamentos sobre o limite da dádiva me surgem é precisamente por acontecer algo em mim que me exige a MAIS. Ainda esta semana alguém me agradecia a coragem de ter tomado a decisão que tomei... Também por estar muitas vezes diante de situações limite de vidas que me são partilhadas, ou que acabo por vivenciar. Não me sinto a carregar um peso de responsabilidade, apenas sinto uma vontade enorme de abraçar o mundo, algo que não se explica. Talvez por sentir meu cada pedacinho de vida que me é partilhada... E sim, tento dar um sorriso, a mão, até mesmo a sopa, sempre que me é possível. Mas que o faça em profundidade, pelo respeito infinito que quem mo pede merece.
Mais uma vez, Moura, o meu Obrigado.