quinta-feira, 17 de abril de 2008

Ponto de ordem


"Não alinho no coro de críticas que se ouvem por aí em surdina contra a deslocação de Aníbal Cavaco Silva à Região Autónoma da Madeira. É certo que Alberto João Jardim é o que é, tem o seu estilo, agora não se pode exigir a um Chefe de Estado, porque é disso que se trata, que corte laços com uma região que é parte integrante do território nacional. Por muito que custe a muita gente, Jardim é eleito democraticamente, o que não desculpa tudo (os vários desvarios e a expulsão dos jornalistas do PSD-M), mas confere-lhe uma certa dose de legitimidade. O Presidente da República, ainda por cima sendo ele Cavaco Silva, sabe-o. Ao aceitar deslocar-se à Madeira nas actuais condições e com tudo o que já foi dito ou ficou nas entrelinhas é, antes de mais, um acto de coragem política de Cavaco. O mesmo homem que há uns anos desafiou Jardim, quando ainda era primeiro-ministro. Provavelmente, foi o primeiro a fazê-lo, impondo-lhe limites orçamentais e cortando-lhe as vazas enquanto líder do PSD-M.
Apesar disso, há outros, como Manuela Ferreira Leite, que não o criticam quando ele expulsa jornalistas do congresso do PSD-M. Talvez porque, tal como Leonor Beleza, José Luís Arnaut e outros, comeram à mesma mesa que Jardim, enquanto este esteve na direcção de Marcelo Rebelo de Sousa. Cavaco não. Mal foi eleito líder do PSD afastou-o dos centros de decisão sociais-democratas. Durante dez anos, Jardim contou única e exclusivamente como líder regional. Depois de Cavaco, recorde-se, houve quem se lembrasse de importar Alberto João para o continente, transformá-lo e lançá-lo como presidenciável. Apesar de Jardim ter declinado a aventura, eu não me esqueço desses tempos.
Muito antes dos Blocos de Esquerda e dos socialistas modernaços, já Cavaco Silva mostrava o dente a Alberto João, votando-o a um isolamento do qual só saiu em 1995, com a vitória de Guterres. Lembram-se do "Sr. Silva"? A expressão era usada por Jardim para classificar Cavaco, tal como agora chama de "eng. Pinto de Sousa" a José Sócrates. É por tudo isto que os silêncios de Cavaco Silva na Madeira serão muito mais importantes do que os discursos claustrofóbicos que Jorge Sampaio fazia ao visitar a freguesia mais pobre da ilha. Não levam a nada. Já Cavaco poderá fazer muito, só pelo simples facto de aceitar ir à Madeira nas actuais condições. Vive-se o momento de escolha do sucessor de Jardim, quem sabe Cavaco não descobre lá um ás melhor que qualquer delfim escolhido a dedo?
Cavaco sabe que a situação na Madeira não é a melhor do ponto de vista do exercício das liberdades. Mas também sabe que tem que manter um relacionamento institucional irrepreeensível. Porque Jardim há-de passar e a Madeira, essa, ficará."

por Francisco Almeida Leite no 'Corta-Fitas'

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