"Enfim, Sarkozy veio! Quem tivesse visto o debate entre os dois candidatos à presidência da República Francesa teria percebido o que estava em confronto. Os próprios comentadores afectos à causa de Ségolène acabaram a reconhecê-lo, logo no dia seguinte. O editorialista do Libération escreveu que, embora Sarkozy não tivesse perdido e Ségolène tivesse ganho, mesmo assim, dificilmente se alteraria o resultado da votação final.
Na verdade, se Ségolène ganhou, foi aos que lhe vaticinavam que não aguentaria a discussão e só a esses. E terá ganho também pela excelente imagem no ecrã. Outro comentador, numa boa metáfora tenística, observou na televisão que Sarkozy colocava muito bem as bolas no fundo do court, enquanto Ségolène jogava bem à rede. Só que colocar bem as bolas no fundo é ir ao encontro dos problemas reais com o desenho de soluções firmes e bem estruturadas e articuladas, enquanto jogar bem à rede é disparar para aqui e para ali, proporcionando um espectáculo movimentado, mas confrangedoramente superficial, quando não demagógico de todo.
A intervenção de Ségolène raiou o manipulatório e mostrou que não tinha os franceses em grande consideração intelectual. Com Sarkozy, Madame Royal perdeu aos pontos. Perdeu na boa educação, na rábula da indignação colérica, na tentativa de embrulhar todas as coisas ao mesmo tempo para que não houvesse a tal discussão de fundo que o auditório esperava, e até na patetice pura e simples, como aquela ideia peregrina de uma escolta policial para as mulheres polícias que regressam tarde do serviço a casa... Mostrou que não tinha propriamente muitas ideias concretas na cabeça e que, quanto aos grandes e críticos problemas da sociedade francesa, remetia as soluções para mais tarde, muito em especial para discussões com os parceiros sociais. Mas a mesma personalidade que tanto endossava as decisões a essa ulterior intervenção de terceiros era quem dizia, imperiosamente e por tudo e por nada, "je veux"...
Madame Royal perdeu também nos planos da competência, da franqueza e da sinceridade. Enquanto Sarkozy enunciava claramente o seu pensamento, por mais impopular que, nalguns casos, ele pudesse ser (quanto à recuperação económica, quanto à semana das 35 horas, quanto aos salários, quanto à tributação, quanto à redução da despesa, quanto às pensões, quanto aos hospitais, quanto ao travejamento essencial da educação, quanto à segurança, quanto à imigração, quanto ao nuclear, quanto à Turquia, quanto ao estatuto da oposição, quanto à África, quanto à Constituição Europeia...), a sua opositora refugiou-se a maior parte das vezes neste ou naquele casos concretos irrelevantes ou nos grandes chavões socialistas que não levam a lado nenhum, a não ser a serem ditas as coisas que toda a gente sabe no estilo que toda a gente tem, e a que, tudo espremido, não se tivesse ficado a entender o que é que ela faria "mesmo", se fosse eleita como Presidente da República. A não ser uma coisa: que trataria de criar uma VI República, desígnio cuja fundamentação não se percebeu e cuja pertinência ainda menos se vislumbrou.
O eleitorado francês viu muito bem o que está em jogo, tanto no plano nacional, como no internacional. Sarkozy soube falar para os franceses que desejam uma recuperação séria, uma justiça social ponderada, um reforço da auto-estima e uma dignificação do seu país. Em tudo isso, falou para uma maioria clara e soube fazê-lo na posição de uma figura do Estado que terá de presidir ao Conselho de Ministros e sabe o que quer e o que faz.Esta postura é o que as esquerdas não lhe perdoam, devidamente acolitadas por duas centenas de crocitantes intelectuais.
Ségolène preferiu falar para a Internacional Socialista e para franjas ou causas políticas mais ou menos voluntaristas e de pouca relevância no contexto de uma eleição presidencial. Mesmo assim, tratou de invocar o símile de Angela Merkel, uma democrata-cristã que deve ter-se escangalhado a rir ao saber que era apontada como exemplo a seguir por uma socialista."
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