segunda-feira, 4 de abril de 2005

A Natureza Humana e a minha fraqueza

No sábado à noite fui jantar com amigos a um sítio giro, com gente gira, num ambiente giro. Depois de uma overdose de coisas praticamente perfeitas (o meu fígado já estava a dar pinotes), fomos bebericar mais alguma coisa para um bar nas traseiras do restaurante. E enquanto estávamos para ali a desperdiçar horas, charme, conversas disparatadas e algum dinheiro, entrou no bar um homem que deitou por terra as minhas noções de mundo perfeito.
Era provavelmente a cara mais bizarra que eu vi na vida. Além de ser manifestamente feio, estava totalmente desfigurado por cicatrizes e marcas estranhas. Quando olhei melhor percebi que também não tinha mãos, tinha uns cotos, com os quais bebia a sua cerveja, puxava e acendia habilmente cigarros, e contava o dinheiro para pagar as suas despesas.
De súbito toda a beleza que me tinha intoxicado durante a noite deixou de me importar. Fiquei absolutamente fascinado / horrorizado com aquela pessoa. Mas o aspecto freak continuava porque quando o vi abrir a boca percebi que os seus dentes eram esquisitos, como que muito afiados, com formato triangular... Na verdade aquele homem parecia um bicho completamente deslocado. O seu olhar solitário traía-o. E no meio da confusão daquele bar fiquei ali a observa-lo na esperança de que a minha indiscrição fosse notada. Assumi uma posição de voyeur perante uma imagem tão feia, quase assustadora. E percebi que, não só nunca tinha estado tanto tempo a contemplar o belo, como também conclui que o belo é perfeitamente monótono.

Não sei se é da Natureza Humana ficar tão impressionado com uma coisa destas. Eu senti-me fraco. Senti-me culpado por viver num mundo bonito, por ter uma vida bonita e por ter amigos bonitos. Senti pena (que coisa feia) daquele homem e não consegui ultrapassar isso.

O meu fascínio/horror por aquela criatura conseguiu estragar-me a noite. Fui para casa pouco depois. Mas ainda hoje, dois dias depois do episódio, não consigo esquecer a cara daquele homem desfigurado, as suas imperfeições, as suas marcas, o seu olhar e a sua solidão.

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