quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Carta [a ti Isabel] sobre silêncio e Deus.




(Versión en mi mejor español en los comentarios)

"Deus quando nos fala não grita. Sussurra. Para que as palavras não nos levem à loucura porque afinal... somos só meros humanos..."  Isabel P.

Querida Isabel,

Escrevo-te uma “carta”!
Sem saberes acabaste por me dar algo a pensar. Sem querer acabei por andar acompanhado por esta tua frase surgida a partir do silêncio. Como te tinha dito, gosto muito do silêncio e necessito dele. Antes, punha-me na pele de “jesuíta-que-‘tem’-de-viver-o-silêncio” como se fosse uma obrigatoriedade, na vivência da oração, do encontro com Deus. Talvez em jeito de gritos impostos por mim próprio, querendo chegar até Ele dessa forma. Aos poucos fui percebendo que não fazia sentido. Esse desejo de silêncio, mais do que uma fuga do mundo, era mesmo uma fuga de ruídos que me impediam de ver-me e ver os outros. 

Tenho para mim que quando mergulhamos fundo no coração, o silêncio desperta-se até na maior confusão de um centro de cidade em hora de ponta. Claro que sabe muito melhor quando se dá no recolhimento do canto especial, ou nos braços de alguém de simplesmente quer partilhar esse momento, sem muitas ou nenhumas palavras. Também quando se dá em locais onde mais facilmente a presença silenciosa da vida desperta com mais facilidade. É isso, há momentos e locais em que é mais fácil chegar até ele. 

No entanto, como dizia, a grande riqueza é fazer silêncio de coração e escutar o sussurro de Deus, que por vezes reduz as palavras ao mínimo essencial. Gostei tanto de “... para que as palavras não nos levem à loucura...”. Que sabedoria está nesta frase. As palavras gritantes que hoje saltam pelos olhos dentro, com tanta informação, ou exigências de identidade para sermos isto ou aquilo. Não... não é por aí o caminho. É um sussurro que diz, simplesmente: “Amo-te, como és!”. Infelizmente, parece-me que nos afastamos com medo deste sentir de Deus. Sim, somos “meros humanos”. “Meros humanos” vistos por Ele com um carinho difícil de imaginar ou sentir. 

Deus fascina-me. Não é novidade. O que se torna novo é a descoberta da beleza de Deus precisamente pelo silêncio. Na Páscoa passada, altura em que escrevi o texto que te passei, todo o meu ser “gritava” por silêncio. Não me apetecia palavras nenhumas, nem reflexões. Aí descobri a riqueza de estar, nada mais que estar, diante de Deus. Afinal, Ele não grita, sussurra em jeito de sopro. E sabes? Libertei-me de pesos que não faziam sentido. Por isso, aconteceu em mim aquilo que dizias no comentário: “leva-nos a bom porto”. 

Estamos em contacto silencioso, boa?
Espero que tenhas bons voos... no silêncio! 

Um beijinho,
Paulo

P.S. - Escolhi esta música como pano de fundo desta carta, por ter sido simbolicamente a “voz de Deus” numa performance que apresentei sobre a conversão de São Paulo. 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Outras possibilidades





(Versión en español en los comentarios)


Avanços. Retrocessos. Não tem nada que ver. A música? Sim. Porquê? Põe algo mais bonito! Esta não é? Sai do teu mundo. Abre asas ou sons. Nem tudo se explica em absoluta racionalidade. Nem em absoluto emotivismo. Há dias assim, em que a beleza ensina outros tons. 

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Relação: outro modo de expressar




Foto: CND

(Versión en español en los comentarios)



Os momentos de crise, ou de viragem, ou de questionamentos, ou de aberturas a novas oportunidades mais ou menos escondidas, estão aí, presentes e destacados na realidade das ruas, nas casas, nas vidas, nas relações de cada pessoa. Normalmente são frias, quase rígidas, onde o confronto é desagradável. A vitalidade pede acção: constatar e humildemente reconhecer que, nestes momentos, é impossível avançar só, como se dentro houvesse o fechamento a toda a ajuda possível. 


Tudo isto pode ser apresentado de forma muito racional: estatísticas, planos de reformas, alterações em medidas que mexem cada ser humano ou cada cidadão na sua história pessoal e social. No entanto, já basta a crueza da tal crise. A arte abre outras portas de revelação de sentimentos. Nada de novo. Mas tem de ser repetido, pois há mais a ser dito para além de números e possíveis certezas. Já foi na quinta-feira passada, mas de vez em quando recordo alguns momentos das peças apresentadas pela Compañía Nacional de Danza - Espanha: Unsound, Babylon, Demodé.



Unsound transportou-me para essas sensações de inquietude, de movimentos bruscos de quem busca algo ou alguém, ou a si mesmo. Os encontros e desencontros gritavam-me rostos com histórias marcadas pela vida, em decisões a tomar diante de tanta mudança. Também nas relações, onde os movimentos frenéticos eram exemplos disso mesmo. Repulsão ou desejo, posse ou simplesmente o suave toque na descoberta de quem se é ante o outro. Gritos dados pelos corpos, acompanhados por “vozes” de um fundo de pulmão, ou de sangue... ou de imagens que subtilmente mudam conforme o andamento. O ser humano é mais, muito mais que uma simples existência ao acaso. O braço que abraça, ou a perna que faz correr em busca do tudo ou do nada, a expressão de rosto que diz: “estou aqui”. É desconfortável a sensação de que se precisa ser amado, querido ou desejado. Essa necessidade que faz sentido quando se percebe que sem a relação não se pode viver.

Babylon, o nome perfeito para uma coreografia que, a meu ver, explora o lado transcendental da humanidade. Com tons bauschianos, abre a outra realidade da crise: a existência espiritual, que se foi perdendo em nome de um progresso que renega as raízes da História sagrada. Aquele corredor inicial de gente que vive em correria, atravessando os caminhos ritmados da rotina diária, apagada em fatos negros. Mas a suave cor da leveza não se apaga. Mesmo de ar triste, passa, marca a presença. E aos poucos dá-se a transformação, o negro vai caindo, dando lugar ao despojar do medo ou vergonha em viver a abertura a algo mais. Em conjunto, como numa comunidade que vive, se separa, parte e volta-se a encontrar, repetindo gestos, acções, discordando ou, simplesmente, estando. Ainda que apagado em rituais ou obrigações sem sentido, como uma burka que anula o rosto, o Infinito abre outras portas ou janelas que permitem vistas profundas. As burkas caem, tal como o negro e no final há o abraço... o silencioso abraço. 

Com Demodé defronto-me comigo. Quem sou? A pergunta que cruza todas as peças acentua-se com a chegada das modas. Sou cultura, sou meio, sou imagem, sou relação, mais ou menos distorcidas por tanta informação que me chega: revistas, televisão, sugestões intermináveis de como se deve ser se se quer pertencer a este grupo ou tempo. A busca da identidade a partir de encontros que dão voltas entre um “eu-tu”, que se funde, se desgarra, refundindo-se novamente. Sempre acompanhados pela música que intensifica a sensação de pertença a este presente. Posso-me apagar ou, então, desenhar um ritual que abre perspectivas: à liberdade, à plenitude em ser para além de uma imagem ou de uma imposição social. 

Definitivamente: em nome da crise não anulem a arte. Não nos tirem mais um pedaço da humanidade. 


sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Sentimentos [sociais]






(Versión en español en los comentarios)

Não sei se é de se ficar com tristeza, preocupação ou irritação com a realidade social que se vive. Misturam-se muitas coisas para despertar estes sentimentos. Vive-se cada vez mais à “flor-da-pele”, impedindo que a reflexão ganhe espaço mental e corporal sobre problemas sérios da nossa sociedade. A ideologia é muito perigosa. As pessoas são tratadas como objectos, como se fossem escravas [e não estaremos cada vez mais a sê-lo?] da “deusa Economia”, facilmente “lincha-se” em praça pública, os preconceitos e estereótipos são alçados com uma agressividade que, a meu ver, roça claramente a estupidez. Sim, “perdoar os inimigos” ou, numa versão similar mais laica, “faz o bem que gostarias que te fizessem a ti” é difícil. No entanto, nós, aqueles que seguimos o que morreu a dar a vida por todos, somos chamados a trabalhar interiormente para viver essa dificuldade, nada impossível. Essa também é a esperança de podermos contribuir para um mundo mais humano. Só para lembrar um pormenor, volto a publicar um vídeo que me parece que pode ajudar: “Pálido ponto azul.” 



segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Diálogos Ocultos VII






(Versión en español en los comentarios)

Podia ter sido numa tarde escura, mas não, foi a meio do dia soalheiro. Estava fresco. Vi-te a chegar. Fechei os livros e guardei a caneta de tinta verde. Preparei o espaço para te receber.
- Saudades. 
- Determinadas em ser dissipadas.
[Risos]
- Que contas?
- Libertemo-nos das palavras. Abraça-me e já está!
Começou a música. Olhámos um para o outro, soltámos uma gargalhada. Exactamente a mesma que ficou no ar, no dia do último abraço... há 15 anos atrás.

domingo, 4 de novembro de 2012

Mistério






(Versión en español en los comentarios)

O medo por vezes impede-nos, a nós cristãos, de ver o bom que o mundo tem. Não é um renunciar à luta contra a crise, a dor e ao sofrimento. É permitir que a visão e a escuta de que em tudo Deus manifesta o seu ser. Sem medo, baixamos as armas que, mais do que anunciar, atacam. Sem medo, as armas transformam-se em respeito amoroso, capaz de fazer um verdadeiro anuncio da fé e uma denuncia sentida da injustiça. A fé ajuda-me a perceber que por detrás de uma descrença pode estar uma profunda história de busca divina, onde “cada um seria mais um a defender a vida”.