[Breve oração ao adormecer]
Agradeço-Te
as palavras autênticas de vida e cheias de corpo,
que não se gastam em desdenhar, mas libertam-se a bem-dizer
Peço-Te
mostra-me a escrita de cada nome
a iluminar em novo amanhecer
[Breve oração ao adormecer]
Agradeço-Te
as palavras autênticas de vida e cheias de corpo,
que não se gastam em desdenhar, mas libertam-se a bem-dizer
Peço-Te
mostra-me a escrita de cada nome
a iluminar em novo amanhecer
[Secção letras verdes] Depois de ler reacções ante a realidade marcadas ou pelo negacionismo, ou pelo medo avassalador. Os extremos nunca foram bons conselheiros.
[Secção coisas de nada] O diálogo entre a luz e a sombra consegue que detenha o olhar muitas vezes. Aconteceu há pouco, com o sol a bater numa coluna do Mosteiro de Leça do Bailio. Em momentos próprios, em cuidado e respeito pelo tempo certo, e acompanhados por alguém que ajude a clarificar e dar nome, o visitar a sombra, reconhecê-la como caminho e parte do ser, apesar de exigente, é profundamente iluminador. Fazê-lo é resgatar, diminuir, a possibilidade de ser controlado por ela. Dar nome às coisas, seja o que for, em especial as escondidas, abafadas, silenciadas, é permitir que a luz ilumine a sombra. Aí, a humildade ganha espaço. Diminui o julgamento apressado por reacção. Dá-se novo amanhecer. E o sol aponta caminho de vida.
[Secção pensamentos soltos em dia mundial da saúde mental] Desde Junho até agora escutei à volta de 250 pessoas, sobretudo em retiros, juntando as que me escrevem pelas redes, com as que vou acompanhando espiritual e humanamente. Todas me falaram da pandemia. A maioria, dos efeitos não muito simpáticos na sua vida, violência incluída. Muitas, do que despertou e outras tantas dos medos em relação ao futuro.
O que atravessamos é brutalmente novo. Agita, mexe, convoca o desconhecido. É de saúde física que mais se fala. Mas, é cada vez mais preocupante os efeitos na saúde mental. Apesar de já se dar mais atenção, ainda não é tida em conta na devida medida. Os cansaços recorrentes, as faltas de paciência constantes, a permanente sensação de desorientação, o aumento das angústias e irritações, entre outros, são sinais claros de que é necessário pedir ajuda na escuta sem julgamentos. Infelizmente a saúde mental não tem peso de comparticipação, o que leva a que muitas pessoas não consigam a ajuda necessária. Afinal, não vai somente de comprimidos, mas de acompanhamento, que leva tempo, por parte de profissionais aptos a ajudar a pessoa a fazer caminho de amor-próprio.
Cuidar de nós implica a saúde mental. A fronteira com a dimensão espiritual é ténue. Que haja cada vez mais reconhecimento social e político de que o cuidado psíquico e espiritual é fundamental para uma sociedade ser saudável e humana.
[Breve oração ao anoitecer]
Agradeço-Te
a força do tempo, em linhas que revelam as dores e alegrias,
abrindo-se à suavidade da sabedoria dos passos
Peço-Te
continuar na escuta desde o olhar atento a todo o ser,
ajudando a que o outro ganhe cada vez mais estrutura e liberdade
Pedro Leite
[Coisas na vida de um padre] Quando vi esta fotografia pensei num texto. O dia foi muito bonito. O Gonçalo e o Guilherme, primos, estavam a explorar a Igreja no dia do seu baptizado. Eu sentei-me com eles a dizer: “é a vossa casa”. Entretanto a vida avança e mais acontecimentos bonitos, um casamento e boas conversas, fazem-me sentir atento à universalidade, ao espaço de luz a integrar, onde só cada um de nós e Deus podem estar. Situar o alento, impedir que alguém avance em desajuste de sentir e contribuir para o crescimento humano. Estar no foco. Estar no centro do amor. É a nossa casa.
[Secção pensamentos soltos em dia mundial do professor] Qualquer profissão que implique com a vida de uma pessoa roça o sagrado. Cuidar do outro, seja biológica, afectiva, social, espiritual e/ou intelectualmente é imenso. É bom que se exija qualidade num professor. É muito bom que se agradeça o tempo (in)determinado com que passa diante de uma pessoa ou de um grupo de pessoas a transmitir conhecimento e saber. Conteúdo e forma fazem parte desse ensinamento. No entanto, a ser posto para outros planos ou até mesmo esquecido em nome da burocracia crescente, a dar resultados para estatísticas, rankings, produtividade, anulando as histórias de tantos alunos que lhes passam pelas mãos.
Quando vigiava exames, pensava na vida de cada aluno. E rezava para que cada fossem capazes de expressar o que aprendeu e que crescessem em humanidade. É preciso critérios para aferir o melhor. Mas, melhor em quê? Entende-se: melhores notas para se poder entrar no que se quer e, em caminho, provar que o professor é bom. No entanto, o professor não é bom apenas porque o aluno tem boas notas. Há alunos que são muito bons, mas que de notas nada sabem ou querem saber, apenas são obrigados por uma sociedade que exige “dr.” e “eng.” para dignificar o estatuto de ser pessoa. Há alunos que apenas querem sentir a presença quem os valoriza na existência, em talentos que não são necessariamente intelectuais. Muitas vezes, é o professor esse alguém.
A educação actual é marcada pelo intelecto, diminuindo o tempo de afecto. “Ah, mas isso é em casa!” E quando não há em casa? Também me parece que se cai no perigo do igualitarismo, onde não se valoriza a importância da diferença. Não há dúvidas: tudo posto na igualdade na dignidade, para além de qualquer característica da pessoa, mas ao diferente que se ajuste o que o ajuda a crescer como pessoa. Não é por acaso que em latim professor é Magister: esse “mais” que vive na sabedoria, em intelecto e experiência de vida, que exige a constante actualização, académica e humana, para acompanhar os sinais dos tempos (e que tempos estes!). Nestes tempos duros e exigentes, o meu abraço e a minha oração agradecida por todos os professores.
Pai José
[Secção pensamentos soltos] Alguém me comentava como a fragilidade não conta nos dias de hoje: “Temos de ser fortes, dizem-me constantemente. Temos de ser os melhores. Temos de ser superiores a tudo. A dores da vida: tudo uma treta e pieguice.” A pessoa estava em tremenda fragilidade e doía-lhe esse sentimento de imposição de força.
O “temos de” é demasiado duro. Obriga a uma constante comparação a partir de exigências muitas vezes desumanas. Compreender a realidade pessoal exige muito cuidado e respeito. Quanto mais a da humanidade que atravessa grande fragilidade em tantas perguntas e acontecimentos. A fronteira entre a mentira verdadeira e a verdade autêntica torna-se ténue. Para quê? Apenas alicerçar forças que oprimem. Complexos de superioridade? Pois, não existem. Todo o que se acha forte, superior, acima de, vive grande complexo de inferioridade. E estamos em tempos de encontrar cada vez mais a humanidade pelo respeito e tempo do outro.
Em “Todos Irmãos”, esta tão humana Encíclica hoje publicada, Francisco fala de ternura, de “recuperar a amabilidade”. Diz-nos: “o exercício da amabilidade não é um detalhe insignificante nem uma atitude superficial ou burguesa. Dado que pressupõe estima e respeito, quando se torna cultura numa sociedade, transforma profundamente o estilo de vida, as relações sociais, o modo de debater e confrontar ideias. Facilita a busca de consensos e abre caminhos onde a exasperação destrói todas as pontes”. Se “temos de” alguma coisa, que seja o de caminhar em autenticidade, reconhecendo a força que vem da sua vulnerabilidade.
[Secção humanidade] Em dia de S. Francisco de Assis é publicada a nova Encíclica do Papa Francisco “Todos Irmãos”. Apela à fraternidade, amizade, humanidade. É mesmo uma encíclica para a actualidade. Partilho o texto que escrevi para o Ponto SJ como convite à leitura e reflexão.
Agradeço-Te
o olhar retemperador para cada pessoa, no anúncio de todas as graças feitas carne, com desejo de abrir, curar e salvar, respeitando a liberdade e a diversidade, em aladas raízes que eliminam polaridades e unem corações.
Peço-Te
escuta nos bateres de asas e atenção para reconhecer os Teus Anjos presentes nos rostos que tudo buscam fazer por amor.
[Secção coisas de corpo, com as devidas licenças para partilhar] Após alguns encontros, em que aflorámos sombras e abrimos perspectivas sobre religião e imagens de Deus:
- P. Paulo, recorda-se de ter partilhado há tempos numa publicação que escutou uma pessoa viciada em sexo?
- Sim, sim.
- Falava-lhe do medo de ser julgada e gozada. E ao mesmo tempo a dor que isso provocava, acrescendo ao vício.
- O nosso contexto social quanto ao tema sexo é de extremos: ora gozo, ora tabu. É preciso equilibrar o natural com a razão. Mas, para isso, é fundamental escutar sem julgar. É verdade que o meio religioso não ajuda muito. Moralizámos demasiado o genital e o sexual. E, falar, se é que se fala, de pénis, vagina, glande, clitóris, vulva a tendência geral é remeter logo para a ordinarice, o porco, o sujo. É necessário ganhar maturidade e perder medos.
- É mesmo por essa sua naturalidade a falar dos temas que quero partilhar algo. [Silêncio, cabeça baixa] A minha obsessão por sexo. [Silêncio] Reduzo tudo ao sexo, tendo depois muitos pensamentos aí centrados. [Começam as lágrimas e o grito] Eu não sou uma p***, mas sinto-me tão assim. Eu estou condenada ao inferno, não estou?! Foi o que me ensinaram desde pequena!! [Estava enrolada sobre si, como que a desaparecer.]
Deixei que emoção mais forte saísse.
- Concentre-se na respiração. Peço-lhe que relaxe e abra os ombros, os braços, aos poucos, ajuste-se no lugar. Mantenha a respiração. Aqui estou. Agora, erga a cabeça. Isso. Dignidade em si. Os rótulos são acessórios. A Jane [nome fictício] não é rótulos, mas pessoa a viver muito. Mantenha a respiração. Aqui estou.
- Não me está a condenar?
- Respiração. Traga a consciência de si, aqui e agora. Com todo o seu ser. Ninguém tem o direito de condenar nenhum ser. Mas, o dever de compreender. Daí a faculdade da razão. Deus deu-nos a razão para compreender e ajudar a fazer caminho de liberdade. O sexo faz parte de nós. O que há a fazer é ajustar essa intensidade e perceber de onde vem essa intensa pulsão, com calma e respeito pelo seu tempo.
- Eu tenho salvação?
- O seu nome está inscrito na palma da mão de Deus. Agora é tempo de continuar a encontrar-se consigo mesma e amar-se. É caminho exigente, mas libertador.
[Secção vida em celebração] 480 | 17: os anos da fundação da Companhia de Jesus e os que vivo como jesuíta, neste dia 27 de Setembro. Pensar no impacto que a Companhia teve e tem no mundo e fora (há crateras na Lua com nomes de Jesuítas). E pensar no imenso que ao longo destes 17 anos tenho descoberto de Deus, de humanidade em Jesus, entre contemplação e santidade humorada (apesar da fraca nitidez, chamo a atenção para o pormenor da t’shirt). É de agradecer. Muito! Um Abraço aos companheiros jesuítas por esse mundo fora, com a minha oração ao Senhor da Vida por nós, pelas nossas missões e por todas as pessoas que nos ajudam a ser quem somos em maior autenticidade e humanidade.
[Secção homenagem] Conhecemo-nos por agradecimentos mútuo de textos de cada um. Desde aí, conversas de humanidade, em partilha de vida e da importância do encontro de psicologia e espiritualidade. Fizemos 2 lives no Instagram e aconselhámo-nos em acompanhamento de pessoas. Era notória a sua profundidade e desejo de que cada pessoa fosse cheia de vida. Ele que estava a encontrar caminho de partida para Deus, partilhando tantas vezes sobre a força na vulnerabilidade. Acabo de saber que aconteceu. Filipe, imagino o abraço de Deus a agradecer todo o bem e amor que deu a tantas pessoas. O nosso jantar fica adiado aí ao céu. Que daí nos continue a ajudar a fazer pontes de diálogo e de partilha entre a ciência e a espiritualidade. Conte também com a minha oração pelos seus filhos. Abraço demorado, com luz.
[Secção pensamentos soltos sobre cultura] A minha noite de ontem foi agitada, continuando em eco para hoje. Depois de assistir à conferência “Modos de ocupar - dedos na ferida, mãos na cultura” no Rivoli, terminei de ver o “The social dilemma”, o documentário na Netflix sobre as redes sociais, evolução e efeitos em cada um de nós e no todo (voltarei a ele). Surgiram-me muitas perguntas ante a actualidade, sobre a sociedade em crescente polaridade. Afinal, a cultura, a educação, a arte estão a ser renegadas para níveis considerados desnecessários. Perigoso. Muito perigoso.
Leio “At the mind’s limit - contemplations by a survivor on Auschwitz and its realities” de Jean Améry. Logo no início do ensaio, Améry comenta como aos nazis não lhes interessavam os pensadores. Bem, interessavam. Apenas os que confirmassem a argumentação da raça pura. Fora disso, era desumanizar o diferente, fosse judeu, negro, homossexual, cigano, opositor. Saber que este poder começou lentamente, numa sociedade sofrida com os efeitos da Primeira Guerra Mundial. Uma sociedade cansada e vulnerável fica sujeita a ruídos sonoros e emocionais. Surgem políticos inteligentes de cabeça, acompanhados por quem sabe manipular consciências, e descartados de empatia, de sentido de alteridade. Promete-se a salvação através da divisão e segregação, ganha-se adeptos emotivos e o outro, em vez de alguém a conhecer ou descobrir na sua diferença, torna-se um inimigo, um alvo a abater. Milhões morreram e morrem por isto.
Actualmente estamos numa sociedade sofrida. Não sou pessimista. Mas, um pouco de realismo é importante para percebermos que é necessário parar seriamente e pensar com diferentes perspectivas a experiência da cultura e da educação. Com honestidade, a pôr dedos na ferida, como ontem aconteceu no Rivoli. Pena foi ter sido breve, com o constante pedido de “respostas breves”. Precisamos de mais tempo nessa reflexão. No meu optimismo, acredito que o diálogo é possível em nome da humanidade. Afastemo-nos do ruído pela reflexão, encontremos a harmonia pela respeitosa escuta e compreensão, vivamos a colaboração pondo talentos a render por um mundo melhor. URGENTEMENTE!
Poema de Pedro Tamen
[Secção pensamentos soltos sobre ser professor] Em conversa com uma amiga que foi colocada numa escola com turmas semi-profissional e profissional. Formação: Filosofia, licenciada, com mestrado e doutoramento. “Paulo, como dá para pensar, preparar seja o que for e ainda viver? Tenho 8 disciplinas e 2 direcções de turma. Nem te comento a burocracia. Roça-se o impossível.”
Pois, roça-se o impossível numa realidade base para a construção de uma sociedade: a educação. Isto é um problema sério. Um professor desgastado não consegue formar intelectual e humanamente os alunos que tem por diante. O sistema educativo está completamente invertido. Com a pandemia ainda se intensificam as dificuldades e para breve aumentarão as consequências a nível social.
A beleza da educação também implica tempo. Preparar uma aula exige do professor tempo de actualização, formação contínua, criatividade. Sem esquecer que também necessita do seu tempo lúdico. Isto parece óbvio. Mas, milhares de professores roçam o impossível. Não admira o despertar de populismos. E isso preocupa. Obrigado, de coração, a todos os professores!
Trabalho em papel de Ali Harrison
[Notas sobre corpo, em especial ovários, em política] É preciso falar muito seriamente sobre corpo. Não é novidade. Ser humano é ser corpo. Para mim, enquanto cristão, amplia mais a beleza desta essência: Deus fez-se carne. Todos os orgãos corporais fazem parte desse ser, não são mera funcionalidade materialista. Integram sentido total. Por isso, tomar a decisão de retirar um orgão implica sério discernimento. Fazê-lo por questões políticas, religiosas, ainda mais sem liberdade ou consentimento da pessoa, é um atentado à dignidade humana.
Tal como possam haver leis com carácter eugénico, como o aborto específico de pessoas com deficiência, também imaginar que se conceba a possibilidade de uma lei que determina a remoção dos ovários de uma mulher como castigo, multa, pena, o que for, além de triste e aberrante é não ter consciência de sentido de corpo, pelo menos em antropologia do corpo, sociologia do corpo e de teologia do corpo de século XXI. Ou seja, é não ter consciência de humanidade. Logo, desumano. Logo, oposto à afirmação pró-vida.
Uma visão materialista ou coisificada do ser humano, seja de pendor de direita ou de esquerda, é sempre desumana. Repito: é preciso falar muito seriamente sobre corpo, também muito em especial nos meios políticos.
[Secção pensamentos soltos] Ainda não o consegui ler todo. Não pelo tamanho, mas por partes que convidam, por vezes obrigam, a deter e pensar. São muitos os momentos em que fecho o livro, pelo “murro no estômago” com o testemunho lido. Volto e apesar de não ser sobre Deus, aqui vejo muito d’Ele. Conhecer o ser humano é um desafio. Quanto mais conheço, mais vou abrindo o coração ao divino. Todos andamos de algum modo em busca da identidade mais profunda, livre de qualquer julgamento ou sensação de inferioridade. Todos queremos ser aceites como somos entre luzes e sombras, é isso.
Convencionaram-se padrões e modelos de se ser humano. Uns acertados e com sentido, onde através da razão se acalmam os instintos de sobrevivência, abrindo as perspectivas dos valores que equilibram direitos e deveres. Outros, desajustados, sem sentido, acomodados a características consideradas úteis para alguns. Curioso pensar que Jesus diz que os últimos serão os primeiros. Quem serão estes últimos? Em meios sociais, políticos e religiosos são além de os do índice de “Longe da Árvore”, os migrantes, refugiados, rejeitados pela orientação sexual, estado civil (ou que decidiram não casar, ou que se divorciaram), em resumo, quem tem diferenças essenciais que levam a olhares de lado por quem se acha superior na sua condição humana.
O que me torna melhor pessoa? Tomar consciência da complexidade de ser humano, nas suas alegrias e tristezas, esperanças e angústias, e conhecer para além de rótulos. Solomon termina a introdução assim: “Para alguns pais de filhos com identidades horizontais, a aceitação atinge o seu apogeu quando eles concluem que, enquanto supunham que estavam amarrados por uma grande e catastrófica perda de esperança, estavam de facto a apaixonar-se por alguém que ainda não conheciam o suficiente para querer. (…) O enigma deste livro é que a maioria das famílias aqui descritas acabou agradecida por experiências que teriam feito qualquer coisa para evitar.” Talvez seja um dos enigmas da vida: o de se caminhar, não na busca da diferença em si, mas na beleza do agradecimento das virtudes que, para além de qualquer condição, nos fazem verdadeiramente humanos e divinos.
[Coisas na vida de um padre] Aqui está uma bonita recordação de um dia cheio de Luz. Que vontade tenho de ver gente animada em celebração de amor. Custa sentir a tristeza da decisão de adiar. Foram muitos os casamentos a passar para o ano seguinte. Estes tempos são mesmo de recolhimento interior e adiam as celebrações. Mas não o Amor. A todos os casais que, por todos os motivos e mais alguns, adiaram o casamento, aprumem ainda mais na preparação daquele que será o vosso dia. A grande festa exterior celebra-se a partir do amor que querem partilhar. Por falar em amor ao próximo, também penso em todas as pessoas que têm sustento desde estas celebrações e que atravessam tempos duros. Contem com a minha oração!
Tirei ao pormenor do grande quadro “Ceia na casa de Simão” de Paolo Varonese
[Secção pensamentos soltos sobre acolhimento] Acolher é exigente. Acolher é receber a pessoa tal qual é e, conforme a situação, atendê-la, escutá-la, cuidá-la, sem pretensão de que tenha de assumir ou integrar perspectivas, modos de ser, mas ajudá-la a encontrar-se.
Jesus é convidado a jantar na casa de Simão, um fariseu. Uma mulher, sabendo da Sua presença, põe-se aos pés de Jesus e com os cabelos enxuga-lhe os pés, banhados com as suas lágrimas e ungidos com o perfume. Além de uma cumplicidade imensa, com sensualidade e, até mesmo erotismo, em que uma mulher se atreve a irromper por um jantar de homens, esta cena demonstra como Jesus acolhe e afirma a força da vida da pessoa para além da sua história ou condições de vida. Acolhe e toma-a como exemplo de reconhecimento e entrega. Simão, o fariseu, olha para as suas características, julgando não apenas ela, como Jesus. É típico de quem vive pouco o amor: julgar e condenar. Jesus, por sua vez, olha para o ser total de cada pessoa, e ama. Dá-se perdão, reencontro para a Vida. Jesus dá-lhe destaque de honras. É típico de quem vive centrado no amor: libertar.
Os dias que atravessamos pedem muito acolhimento. Permitir que, ante o medo, a desconfiança, os rápidos julgamentos, se possa atenuar o “apontar de dedos” e, em boa reflexão, nos ajudemos mutuamente no respeito. Estes tempos pedem muita compreensão e paciência de todos(as). Quem bom será escutar o que Jesus disse a esta mulher, pela força da sua autenticidade: “a tua fé te salvou. Vai em paz”. No final, ficou no ar a suavidade o aroma do perfume. É o que sentimos quando realmente há acolhimento de vida.
Fotogramas do filme “A Festa de Babette”
[Secção pensamentos soltos sobre prazeres em corpo] “O prazer de comer bem, como o prazer sexual, vêm de Deus”. Esta afirmação foi destaque noticioso por ter sido dita pela Papa Francisco. O líder máximo da Igreja Católica afirma o que, aparentemente, tem sido contrariamente dito, em catequeses, por padres, por freiras, por leigos mais radicais, na mesma Igreja que lidera. Sim, é certo que a moral, algo importante e fundamental, resvalou em moralismo. Alguém fala de prazer e é logo o “hedonismo no mundo”, como se na fé apenas houvesse lugar para o sofrimento. (Esquecendo que o próprio sofrimento pode ser fonte de prazer, mas não vou entrar por aí.)
Que bom que Francisco afirma a beleza da vida de forma livre e directa. Para quem tem dúvidas, por favor, que leia o Cântico dos Cânticos. Também pode ser Eclesiastes que nos diz que agradável a Deus é o ser humano comer e beber como desfrute dos frutos do trabalho. Já agora, recordar que Jesus era acusado de beber e comer bem. Sim, há organicamente estruturas que nos estimulam o prazer, como forma de saborear a vida. É natural. O que não é natural, a roçar a aberração e, isso sim, pecado, é anular o deleite do amor com castrações psicológicas, com afirmações como o “sexo é sujo, é porco”, “apenas necessário para a procriação” e orgânicas como a excisão feminina.
Se há desequilibrios e desajustes, seja pelo extremo da anulação, seja pela animalidade, que haja caminho de encontro. Agora, que não se use a frustração como meio de castrar a beleza da vida criada por Deus. Sim, o Papa dá um bom exemplo, “A Festa de Babette”. Na dureza do moralismo cristão, uma mulher entrega toda a sua arte culinária, oferecendo uma festa, no fundo, a felicidade por muitos reprimida. E Deus delicia-se com a nossa felicidade.
Agradeço-Te
as horas de palavras partilhadas
em desenlace de histórias de vida
Peço-Te
acolhe as lágrimas e os sorrisos
e transforma-os em luz e amor
[Secção pensamentos soltos sobre as memórias] A memória desperta com sons, cheiros, imagens, palavras. Quando estive na casa dos meus pais vi novamente esta fotografia. Tinha 18 anos. A precisão vem do cabelo liso (desfrisei como loucura da passagem à maioridade. Podia ser pior, eu sei) e da pequena pêra que me acompanhou ao longo dos 17, enquanto estava no 12.°. Quando foi tirada, já tinha sabido da “não colocação” na faculdade.
O que na altura foi um sentimento de quase fatalidade, passados estes anos percebe-se como tudo se relativiza e torna-se um acontecimento histórico. No entanto, há dores que se arrastam na vida de cada pessoa, mantendo-a nesse tempo dos acontecimentos. Assim, o que poderia já ser passado, ainda é uma actualidade muito viva. No exterior muita coisa muda, no interior também deveria acontecer conversão.
A viagem interior para que a memória seja de agradecimento implica caminho de reconciliação pessoal, atravessando as dores de modo as deixar lá, permitindo todo o ser avançar para o presente. Sai-se de extremos, em saudosismos de “naquele tempo é que era” ou angústias no “quero esquecer tudo à força” para “aprendi com o caminho, então a que sou chamado(a) a fazer hoje?” Quando nos reconciliamos com a nossa história, aceitando e integrando-a, as memórias que surgem de fotografias são oportunidade de agradecimento pelo tanto que temos e somos. Também a pôr ao serviço da reconciliação na humanidade.
[Breve oração em final de tarde]
Agradeço-Te
o conhecimento, a razão, o raciocínio, o pensamento, a clarividência, as palavras, as frases, os contrastes, os contraditórios, que impedem os absolutos anuladores de diálogo desde diferentes perspectivas.
Peço-Te
compreensão, ponderação e tempo que levem à diminuição das reacções de ataque/defesa e ao aumento de acções de respeito pelo próximo.
[Secção letras verdes] Bereshit - a primeira palavra bíblica. Traduz o início da existência em tempo para além do tempo. Bons inícios.
AA
[Secção coisas de nada] Caminhava pela rua. Há sempre as frases soltas de conversas que se apanham pelo ar. “Faz-te falta respirar fundo!” Pensei na simplicidade e pertinência do conselho. Não só àquela pessoa, mas a todas as pessoas: respirar fundo, de forma consciente. Depois, amar, amar muito, a si mesmo e ao próximo. Tantas mudanças boas acontecem na humanidade como resultado de profundas respirações e de gratuitos actos de amor.
[Secção pensamentos soltos] A educação não é neutra. Nenhum modo de educar é neutro. Tudo o que é humano não tem carácter neutro. Isto a propósito da nova polémica que agita as redes sobre a disciplina de Cidadania, com movimentos de objecção de consciência em relação à mesma. Educar, no seu sentido etimológico, significa ajudar a crescer nas muitas dimensões, desde a alimentação, ao testemunho de comportamentos de respeito pelo outro, passando, obviamente, pela transmissão de conhecimentos que ajudem a pensar criticamente.
Pensar. Eis algo que tem sido pouco usado ultimamente quando se circula pelas redes. Fica-se pelas frases soltas das polémicas e pouco se avança na compreensão, rapidamente aumenta crispação e divisão. Estive a ver o programa oficial da disciplina e o meu primeiro pensamento foi: “enquanto professor de Educação Religiosa e de Formação integral abordei praticamente todos, senão todos, estes temas”. Tal como os meus e minhas colegas de todas as outras disciplinas. Sim, em Português, Matemática, Geografia, Filosofia, História, Biologia, Química, Artes, Educação Física, etc., também se trabalha Cidadania. Em nada vi ideologia, mas temas a serem falados precisamente por estarmos, como diz a fundamentação, numa sociedade plural. Onde é que pode entrar a ideologia, seja em que disciplina for? No modo como for leccionada. Um educador tem de estar bem preparado não para endoutrinar ou formatar, mas para formar. E isso significa ajudar o aluno a pensar, com argumentos, com respeito, com possibilidade de não concordar e superar o próprio mestre.
Montesquieu, em “L’esprit des Lois”, afirma: “Recebemos três educações diferentes, a dos pais, a dos professores, a do mundo. Esta última contradiz o que as duas primeiras nos ensinam”. Aprender a pensar é caminho de humanização e de impedir polarizações agressivas com ofensas recíprocas. Se não há neutralidade na educação, deve de haver sensatez. Para haver sensatez tem de haver muita leitura (em papel, virtual e da realidade) de contraditórios, ganhando, pela experiência, liberdade de pensar por si, sem cair em ruídos colectivos, percebendo que em humanidade ninguém é dono de ninguém.
JDiz
[Secção coisas de nada] Por vezes, é só isto: olhar de frente para o sol, ver a beleza da luz em cor, agradecer tanto bem recebido e deleitar-se em amizade com a vida. O resto? Uma gargalhada.
[Secção pensamentos soltos ajudados por auto-retrato de sombra rodeada de laivos de luz] É natural criarem-se imagens de outros que admiramos. Pela expectativa, pelo que dizem e fazem, por o que se pode imaginar que devam representar para nós. Aconteceu isso com Pedro, ao querer um Jesus à sua medida. Mas, haverá pessoas à medida? Talvez para cargos ou trabalhos. Para a existência, a única medida é a do amor.
Pedro levou tempo a compreender isso. “Afasta-te de mim Satanás!” é uma expressão forte, ainda mais vinda da boca de Jesus. Pedro ouvi-a, por não reconhecer que para a luz divina iluminar cada ser humano tem de atravessar todas as sombras. Dar luz à realidade sombria é um grande exercício de verdade connosco próprios. Por vezes é possível fazê-lo sozinho, por outras, há que recorrer à ajuda de um psicoterapeuta, de um padre ou de ambos. A humildade de Pedro foi sendo trabalhada, de modo a perceber que Jesus não precisa de defesas, mas de ser escutado nas palavras e gestos que transformam corações.
Pedro ainda negou Jesus três vezes. Mas, como Jesus não desiste de ninguém, depois da ressurreição perguntou três vezes a Pedro se o amava. “Sim”, respondeu. “Então cuida, acolhe, ama tu também sem julgar.” Toda a sombra atravessada de verdade e amor será fonte de Luz.
Agradeço-Te
o caminho que leva à descoberta da pessoa para lá de qualquer categoria, rótulo ou carimbo
Peço-Te
silêncio e assim escutar o desabrochar
da flor que é sem porquê
[Coisas na vida de um padre] Júlio Magalhães convidou-me para estarmos à conversa no seu programa no Porto Canal. Um homem do sul à conversa com um homem do norte sobre vários temas, desde a pandemia, passando pelas redes sociais até à espiritualidade nas empresas. Foi a entrevista mais longa que já dei em televisão. Agradeço o acolhimento, o cuidado e a atenção de Júlio Magalhães e de toda a produção do programa. Aqui fica o link:
http://portocanal.sapo.pt/um_video/lpRyzEffDCDTjqCzvOgZ
[Secção pensamentos soltos] Nestes dias, numa das minhas orações fiquei a pensar no poder que tenho, que temos. Até posso pôr no plural: poderes. Na passagem do Evangelho de hoje, é confiado a Pedro o poder de ligar e de desligar o céu e a terra. Independentemente da crença, e do que se pode entender de céu e de terra, a cada pessoa é-lhe confiado esse poder: o de fomentar ou desajustar relação.
Pedro é pedra. A pedra pode ser usada para construir, nem que seja em toque de beleza e adorno, ou com ela pode-se agredir, maltratar, matar até. Quantos não estavam prontos para apedrejar a mulher adúltera? Do mais velho ao mais novo, todos se afastaram quando ouviram Jesus a dizer que atirasse quem não tivesse pecados. Estes tempos, do que me apercebo, têm sido ricos no uso do poder da escrita, das redes sociais, da opinião (infelizmente muitas vezes tremendamente mal fundamentada) para matar, dividir, agredir. No fundo, de desligar, de isolar, de confundir, de desumanizar. Mas, não será o caminho de humanização de construir, de colaborar?
Parar para escutar, saindo de julgamentos precipitados, é poder humano. O animal, que também temos disso, é reactivo. Move-o o instinto de defesa, no ataque. A nossa capacidade de escuta e reflexão, o poder do pensar, leva-nos a agir nessa ligação do todo. Para dar bom uso ao poder ou aos poderes que nos são confiados é preciso muita humildade. Implica a exigência de saber realmente, de entranhas, de existência, o que significa “amar o próximo como a si mesmo”. Quando o amor próprio cresce, deixa-se de andar à procura do que nos divide, mas, naturalmente, segue-se em busca do que nos ajuda a evoluir enquanto humanos, todos iguais na dignidade, sem rótulos nem categorias.
[Coisas na vida de um padre] A gravação já foi há dias. A transmissão estava prevista para meados de Agosto. Afinal, acabou por ser no dia da transfiguração de Jesus. Aqui partilho a entrevista por Júlia Pinheiro. Comentámos o ter sido entrevistado pelo filho, Rui Maria Pêgo, com Ana Martins (no Era o que Faltava - Rádio Comercial) e meses depois por ela. Agradeço muito o acolhimento tanto da própria Júlia como de toda a produção do seu programa. Também agradeço todas as mensagens que tenho estado a receber. Leio todas. Farei os possíveis para dar as respostas a tantas partilhas de vida que me têm escrito. Claramente que o perdão é o tema mais focado. Pois, nestes tempos novos, é de grande alívio viver a liberdade interior. Aqui fica o link para quem quiser (re)ver: https://sic.pt/Programas/julia/episodios/2020-08-06-Julia---6-de-agosto---Parte-1----Troca-vida-de-comissario-de-bordo-por-sacerdocio
[Breve oração em dia da Transfiguração de Jesus]
Agradeço-Te
o detalhe, o pormenor, abrindo a atenção
do todo rodeado de luz
Entrego-Te
a pequenez que se transforma em luz
Peço-Te
o olhar simples
dos que amam sem medo a luz
[Secção boas leituras] Há dias em que a poesia resume o sentir na simplicidade da oração. [Poema de Ruy Cinatti]
[Secção homenagem com muita gratidão] Fecho os olhos, trago a Emília ao pensamento e ouço a sua gargalhada ampla. Continuo e surgem os brilhos de olhar, enquanto fala da Joana, da Maria, dos aviões, da TAP, do céu.
Foram algumas as horas, no SNPVAC, na APTCA, em Alcafozes, que passámos os dois em conversas sobre a vida e sobretudo sobre os sonhos para uma aviação cheia de respeito pelos trabalhadores e pelos passageiros. Uma vez, terminámos um trabalho no Sindicato já tarde.
- E se fossemos a Fátima agradecer?
- Vamos, respondi.
Chegámos já era o dia seguinte. No silêncio rezámos, como sempre a Emilia fazia, pela justiça na aviação. Afinal, galleys, trolleys, etiquetas, dossiers, carregamentos, organização de serviço a bordo e das bandeiras na romaria à Senhora do Loreto a quem tanta devoção tinha, eram células na vida da Emília. A sua frontalidade desmontava muitos, agitava outros tantos, talvez afastasse alguém, mas o acolhimento em sentido de justiça a todos iluminava.
Emília, imagino-te aí a falar com o Presidente de todos nós a dar indicações para a Sky Airlines, a instruires e supervisionares o fardamento dos anjos e a organizar as romarias celestes com gargalhadas e desejo de que todos se sintam em casa. Agradeço-te tudo, e não foi pouco, o que de ti recebi. Reza por nós ao grande DOV, neste tempo que também a aviação precisa de muita oração, e quando te encontrares com a Senhora de Alcafozes, pede-lhe que nos ponha com o seu Filho, para vivermos cada vez mais a profundidade do Amor.
[Secção letras verdes] Têm sido dias de escuta de muitas histórias de vida. Sinto-me agradecido pela confiança por me ser permitido entrar nos terrenos sagrados e ser testemunha da luz divina a lavrar, semear, mondar e colher.