Frederick Helwing
Não me considero uma pessoa que está acima do “bem e do mal”: vícios, desejos materialistas e pecados moram também por aqui, partilhando o espaço com qualidades e capacidades. Não vivo numa neutralidade afectiva, as coisas ditas ou escritas não se remetem a uma impassibilidade indiferente.
Depois da agitação de ontem, e de hoje pelos vistos, sobre os famosos desejos, fiquei a pensar na encarnação. “O quê, agora também se vai pôr Deus e Jesus ao barulho?” ou então, “Ui, lá vem moralismo da Igreja que, claro está, vai condenar a futilidade, a superficialidade e essas coisas todas!”. Pois, a Encarnação é no mundo na sua totalidade.
Como escrevi no post de ontem, o problema não são os desejos, esses fazem parte de cada um de nós. São reveladores do nosso contexto, sim, são. Se me perguntassem os meus diria: que se fechem os Centros de Internamento de Estrangeiros, que acabe a guerra na Síria e a matança que ocorre no Congo, que haja justiça em Portugal, mas também tenho um escondido mais materialista: gostava de ter um iphone. Ui, escândalo! Um jesuíta a desejar algo... assim tão materialista. Bem, desejo, mas não necessito e se não tenho não desespero, como acontece na realidade. Reconheço o trabalho interior que tenho feito, para com naturalidade ir percebendo o que é mais importante, para além do ter isto ou aquilo. Confesso que quando ouvi os desejos, antes de toda a confusão gerada, pensei: “Podem ter, que bom para eles.” Não senti ponta de inveja.
O que me entristece é a condenação pública que facilmente se faz nos dias de hoje. Muitas palavras que tenho lido são como pedras em direcção às pessoas, nomeadamente à agora famosa Pépa Xavier, como se fossem as mais execráveis à face da terra.
A Samsung foi muito infeliz, com erros de casting e briefing, onde, obviamente, se pode sentir indignação entre o contexto da publicidade e o contexto social em que Portugal vive, sim. No entanto, já se viu que quando as pedras voam (tenho na memória a última manifestação em frente à Assembleia da República), alguém fica mal, muito mal. E se os desejos podem dizer algo de quem os formula, as pedras atiradas também.
Há valores mais importantes que o ter uma carteira Chanel, sem dúvida que há. Um deles podia ser formulado desta forma: “não me julgues imediatamente por eu desejar de uma forma diferente da tua.”