Reconciliação! É o sentimento mais vivo em mim, depois desta vista.
Porquê?
Quem me conhece sabe que em mim habita alguma rebeldia. Esta surge pela minha vontade de questionar. Não um questionar de pôr em causa por pôr, mas o questionar de não me ficar pelo que está adquirido e ter vontade de ir mais longe. Afinal, dentro do limite do espaço e do tempo, há uma infinidade de realidades a conhecer e a viver. O meu gosto pelo diálogo, pelo contacto com o diferente, seja de opiniões, seja de realidades culturais, permite-me colocar numa posição de constante aprendizagem.
Antes de ser jesuíta, a minha relação com a Igreja sempre foi de criticar e, a meu ver após este anos passados, de forma mais destrutiva que construtiva. Curiosamente, tal tipo de crítica foi um pequeno ponto no meu processo de decisão de entrada na Companhia de Jesus. É tão fácil criticar, mas o desafio é mudar, ou tentar mudar, estando por dentro, e aceitar outras realidades que afinal eram desconhecidas. Surge a situação de, quando se conhece as coisas por dentro, se começar a ver de outra forma. Afinal, mais do que conhecer racionalmente, o viver na pele, faz com que muito “mude de figura”.
Acompanhei a preparação da visita do Papa Bento XVI através da leitura dos jornais, da escuta de comentários seja do lado de dentro, seja do lado de fora da realidade Igreja. E na minha oração pedia a Deus: “Que esta visita do Papa seja de Encontro, de diálogo, que fomente concórdia, mais que discórdia”. Talvez por este ser um dos meus motes em relação à vida. Mas também, por sentir que este Papa poderia trazer algo de novo, nesta terra de Descobrimentos.
Fui a Lisboa, fui a Fátima. Não tanto para ver o Papa de pertinho, mas para, de facto, me sentir participante de uma realidade que vai para além de mim, que é mesmo incompreensível e misteriosa, que se chama Igreja. Não de pedra, de estrutura rígida, mas de pessoas. Pessoas com histórias, vidas, sentimentos, dúvidas, ansiedades, zangas, revoltas, gostos, aproximações e afastamentos. Enfim, pessoas, com o que têm e são. Logo em Lisboa fiquei comovido com a nossa descida pela Avenida da Liberdade. Pensava, nos intercalados “Vivó Papa!” e afins: “Avenida de manifestações contra isto, contra aquilo, a reivindicar isto ou aquilo. Avenida da busca da liberdade de direitos... Mas também Avenida de busca de Liberdade através da alegria de uma comunhão. Estas pessoas que aqui descem comigo são tão diferentes e sei que têm pensamentos tão diferentes sobre Igreja, sobre Política, sobre Sociedade, sobre Deus, Jesus. E aqui estamos, a descer em Liberdade, a caminho da Missa, da Eucaristia”. É mesmo uma ida para Acção de Graças, agradecimento, e também em busca de uma Missão renovada.
E assim aconteceu, no silêncio que se dá no momento da consagração. Um silêncio confirmador do Mistério que atravessa toda aquela multidão unida, em escuta das palavras proferidas por aquele rosto de Bento XVI que une toda a Igreja. Não etérea, mas real, ali em corpo de cada pessoa. Em corpo daquele homem que, na noite seguinte iluminada por milhares de velas, reza todo o terço ajoelhado, diante do mesmo Mistério que o faz ser ao mesmo tempo frágil e forte. Fragilidade presente no físico, que pede com humor e delicadeza à malta nova que o deixe dormir... Força nas palavras que profere com a sabedoria de quem escuta o Mundo, mas de quem também escuta, sobretudo, a Palavra que lhe fala dos novos Sinais dos Tempos.
Ver Bento XVI, ver as pessoas, rezar com ele, escutá-lo no anúncio e interpretação da Palavra, fez-me sentir reconciliado, revigorado no meu sentimento de amor à Igreja, santa e pecadora.
Também ao ponto de dizer basta às vozes dissonantes, que sussurram numa constância contra tudo o que é religioso, em nome da laicidade. Sinto-me cansado de ouvir tão maus comentários seja ao Papa, seja à Igreja. Maus, não no sentido de serem opostos, esses existirão sempre, mas no sentido de serem fracos de inteligência, de reflexão. Como se todos nós, os que fazem parte da Igreja, fossemos ignorantes e andássemos alienados. Nestes dias li coisas que roçaram o fundamentalismo, pelas mesmas vozes que nos acusam de fundamentalistas. Será que leram o que o Papa disse? E se sim, será que souberam ler?
Na homilia na Missa no Porto, Bento XVI afirmou: "Nestes últimos anos, alterou-se o quadro antropológico, cultural, social e religioso da humanidade; hoje a Igreja é chamada a enfrentar desafios novos e está pronta a dialogar com culturas e religiões diversas, procurando construir juntamente com cada pessoa de boa vontade a pacífica convivência dos povos".
“Está pronta a dialogar” ou seja, está pronta a escutar e perceber o que se pode fazer, para tornarmos um mundo mais justo e melhor, de modo a que haja uma maior humanização de todos. Em convivência, ou seja, a partilhar a Vida.
Neste momento de crise, o Papa não nos veio trazer ajuda financeira, económica, mas sem dúvida que, a meu ver, veio trazer uma grande ajuda espiritual e também intelectual. Um claro convite à reflexão, à profundidade a que todos somos chamados, sobre cada um, a sociedade, a sua relação com o Todo.
A crise pode ser um lugar de questionamento que, bem vivido, leva ao crescimento humano. Mas se fazemos da crise lugar de conflito, onde o diálogo passa a monólogo, numa imposição de ideias, sem uma escuta atenta do outro, de certo que ficamos com “águas paradas”, sem desenvolvimento, nem fito do horizonte.
Creio que o Papa ajudou-nos a trazer o tal horizonte, a não termos receio da busca do essencial, que passa inevitavelmente pelo diálogo, pelo encontro, pela busca de caminhos que leve à verdadeira humanização de cada pessoa na sociedade em que se encontra.
E, como afirmei no início, o meu sentimento profundo, depois destes dias, é de reconciliação. Uma reconciliação, reafirmo, que me leva a amar ainda mais a Igreja, santa e pecadora, e dedicar a minha vida ao contributo do crescimento humano, neste caminho de consagração.
Afinal, também quero fazer-me “lugar de beleza” ajudando, no que me for pedido, outros a serem-no também.