Marta José - Dreamaker
[Conversas soltas, com a devida licença para partilhar]
- Sinto tanta dor na minha oração. Nem sei se rezei ou se consigo rezar. As pessoas embelezam a maternidade. Sei que não posso generalizar a minha dor, mas estou a encontrar-me como filha de mãe ausente. Melhor, filha de mãe impositiva do seu ser mulher, mas ausente como mãe. Honra pai e mãe. Mas como posso honrar quem me manipula, ignora, anula, despreza?
- O que sente em profundidade?
- Posso mesmo dizer?
- Se sentir liberdade e segurança para o fazer. Mais por si, que por mim.
[Breve silêncio.]
- P. Paulo, eu quero que a minha mãe morra. Desde que nasci que ela me mata. Ela nunca me cuidou, sempre me usou para o seu prazer. Quero que morra. Eu sou péssima. Ela conseguiu. Eu sou péssima. [As lágrimas saíam.] Talvez seja eu quem não deve de existir. Estou condenada à dor.
- Vamos respirar fundo. Situar, aqui e agora. E rezar juntos. Dizia há pouco da dor na oração. Sim, o que vive é muito doloroso, com trauma marcado. Rezemos ao Deus da salvação. Para lá da pessoa que a gerou, há o Deus que a resgata.
- Serei digna?
- Todos somos dignos. Todos.
- P. Paulo, apenas queria sentir uma carícia.
- Leio uma passagem de Isaías: “Acaso pode uma mulher esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, Eu nunca o esqueceria.” E por Deus não a esquecer, acolhe-a e desafia a atravessar a morte, nem sua, nem da sua mãe, mas do que a impede de tomar consciência de que pode começar um caminho novo consigo mesma, libertando-se do controlo da sua mãe. Por mais duro que seja, e é, libertar-se do mendigar carícias. Acaricie-se e respeite-se a si, com a ajuda de Deus que não a esquece.
- Podemos rezar só a primeira parte da Avé-Maria? Tenho de a buscar como Mãe.
- Quer-se sentir no Seu ventre?
- Posso?
[Convidei a enrolar-se em posição fetal e enquanto rezássemos que se fosse abrindo. Repetimos uma quantas vezes.]
Ao fim de algum tempo, emocionada diz:
- É possível nascer de novo.
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