João Almeida
[Conversas soltas, com a devida licença para partilhar]
-Sempre me defini ateu, ultimamente nem sei. E agora depois de ter tudo o que gostaria, ainda assim há um vazio que me habita. Não me identifico com as Missas, com a religião. E já li e viajei muito à procura.
-À procura de si?
-Não, de colmatar esse vazio.
-Ou seja, de si.
-Como assim?
-Também me sinto algumas vezes perdido.
-Estranho, um padre não vive de certezas?
-Algumas. Mas essas certezas não afastam a busca. E ver que essas certezas também são usadas em nome de poderes individuais e institucionais, causa vazio. Junto também a consciência do mal em mim, que posso fazer. De vez em quando, e ainda bem que acontece, abana as estruturas e sinto-me perdido.
-Como faz?
-Tento viver cada vez mais o exigente exercício da verdade. Para lá daquela lógico-racional, a verdade do que é, do que sinto, das vontades mais viscerais às mais virtuosas. Ao princípio, era muito duro. Lutava comigo mesmo, com vergonha, com medo. Ainda acontece. Mas muito menos. O que me apercebo entrego a Deus na Missa.
-Pois, mas eu não acredito na Missa, nem em Deus.
-Já atravessou algum sofrimento visceral?
-Foi há muitos anos. Um dos meus filhos esteve muito mal, com uma meningite. Recordo estar disposto a tudo para que ele ficasse bom. Ainda dói quando penso nisso.
-Ele ficou bem?
-Sim, sim. Mas, apercebo-me: voltámos à mesma rotina. Como se nada tivesse passado.
-E talvez, subtilmente, levantou-lhe a busca do sentido? Destapando o vazio?
-Isso. Sobretudo ver como a vida é efémera. O medo de o perder fez-me perceber a minha pequenez. E eu não podia. Tinha de ser forte.
-Então viajou à procura da sua pequenez?
-Tenho medo que Deus me anule.
-Qual Deus?
-O que nunca conheci, mas quero conhecer. Como acredita em Deus? O que o leva a ser crente?
-O modo como Ele atravessa a vida das pessoas com amor, quando O permitem.
-Tenho medo que Ele me mude.
-O quê?
-A vida.
-Aquela que mudou quando se deu conta ser efémera?
[Faz-se um largo silêncio.]
-Estou com uma estranha sensação de presença. Nunca tinha acontecido.
-Feliz Natal.
[Demos uma gargalhada.]
-Acho que cheguei ao início de algo novo.
-Bom caminho!
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