Luís e Marta - Lounge Fotografia
[Secção conversas soltas, com a devida licença para publicar]
- P. Paulo, fui educado em certezas religiosas tão absolutas que cada vez que olhava para a cruz sentia o peso dela em cima. Se não me confessava de todos os males, “Jesus leva com mais uma martelada no cravo, fazendo-o sangrar”. Eu com 10 anos não sabia o que eram todos os males. Mas sentia-me terrivelmente. Cheguei a mentir no confessionário e depois confessava-me de que mentia. Além dos meus pais, o confessor fazia-me sentir ainda pior. Era terrível! Cheguei a um ponto em que já não conseguia acreditar mais em Deus. Foi o choque familiar. Formei-me. Corri mundo em busca de mim, a fazer do melhor ao pior, sobretudo com pessoas, enganando-as, usando-as para prazer, no corpo, na vida. É um desespero tão grande. Passaram mais de 30 anos e sinto que Deus me chama. É possível? É isto a fé? Não sou um degenerado?
Levantei-me, baixei-me para ficar com o olhar próximo, coloquei a mão no ombro e pedi para fechar os olhos e regular a respiração.
- Pode voltar à criança que se foi confessar?
[O rosto contristou-se em dor e encolheu-se.]
- O que lhe quer dizer? Agora, depois de toda esta experiência de vida? Sem filtros.
Passado uns momentos de silêncio, com aumento de tom até ao grito.
- Não tens culpa! Não tens culpa! Desculpa, não tens culpa! Jesus não sangra mais. Jesus, não sangra. [O choro contido de anos soltava-se!] Jesus não é como eles dizem.
- Respire fundo.
- Perdoa-me! Perdoa-te! Eu quero amar!
- Respire fundo.
- Eu fiz tanto mal. Repeti o mal.
- E agora está na altura de encontrar o bem, a luz, a vida.
- E Deus?
- Deus está a tirar o anel do dedo e a preparar o vitelo gordo.
- Como?
- É o que faz cada vez que um dos seus filhos regressa.
- Mas, depois de todo o mal que fiz?
- Ele espera. Sempre. Tem o nosso nome tatuado na Sua mão.
- Posso confessar-me?
[…]
- Eu o absolvo de todos os seus pecados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
Sem comentários:
Enviar um comentário