Imagens retiradas do blogue De Rerum Natura
[Pausa para momento de orgulho, junto com vontade de que continuemos em bom caminho neste diálogo com a cultura e a promover educação livre, com solidez humana e intelectual. Um agradecimento especial aos promotores deste projecto de selos de CTT com jesuítas.]
Jesuítas, construtores de globalização
No dia 18 de Março, os CTT - Correios de Portugal lançaram uma emissão filatélica dedicada aos «Jesuítas, construtores da globalização». É uma emissão de quatro selos e um bloco filatélico, com trabalho gráfico de Design&etc. Em breve sairá um livro dos CTT com o mesmo título da autoria de José Eduardo Franco e Carlos Fiolhais. Transcrevo o texto da pagela que acompanha a edição filatélica.
A entrada da Companhia de Jesus em Portugal, em 1540, constituiu um dos eventos mais assinaláveis da nossa cultura. Em paralelo com o esforço missionário intercontinental, a Ordem fundada por Inácio de Loyola ergueu entre nós, em poucas décadas, uma rede de instituições de ensino secundário, chamadas colégios, e universidades (criou a segunda universidade portuguesa, em Évora, em 1659). Com base numa metodologia de ensino nova, os Jesuítas criaram a primeira rede de ensino da nossa história que se ligava com instituições de ensino regidas pelo mesmo método em diversas partes do mundo. Os colégios portugueses dos Jesuítas, que chegaram a ser trinta antes da expulsão da Companhia pelo Marquês de Pombal, estavam distribuídos pelas mais importantes cidades do país, passando pelas ilhas e pelo mundo ultramarino português. Com o regresso dos Jesuítas, após as expulsão e outras que se seguiram, a aposta da Companhia na educação, na cultura e na ciência continuou a deixar marcas na história portuguesa. Refira-se o Colégio de São Fiel, fundado no século XIX, onde se formou o primeiro Nobel português, Egas Moniz, e se fundou a revista Brotéria, que continua a ser publicada.
A Ordem de Santo Inácio exerceu uma forte influência na cultura e da sociedade portuguesas, formando figuras que deixaram obra relevante em várias áreas e que contribuíram para a modelação da identidade portuguesa. Destacamos cinco dessas figuras.
Merece relevo maior São Francisco Xavier, de origem navarra, que se tornou, no Padroado Português, no primeiro grande missionário do Oriente, muito venerado em Portugal e no Oriente. Xavier foi um líder que moveu atrás de si multidões. O grande “missionário da Índia”, nome por que ficou conhecido, foi fundamental no desbravamento de caminhos para implantar a cristianização na Ásia, sendo de realçar o seu pioneirismo na evangelização do Japão. Membro fundador da Ordem, foi o grande construtor de uma instituição que se afirmou desde o início como global.
São João de Brito foi, ainda no século XVII, um missionário mártir no subcontinente indiano, após ter desenvolvido uma evangelização aculturacionista, isto é, uma missionação que procurava um intercâmbio entre a mensagem cristã e a cultura local. Existe hoje um Lisboa um colégio de referência com o seu nome.
No Novo Mundo, afirmou-se no século XVII o Padre António Vieira, que, vivendo entre a selva e a corte, ergueu uma ponte entre as civilizações europeia e ameríndia. Tornou-se o grande missionário da América, um pregador exímio que fez transbordar auditórios e que deixou uma vasta obra de grande valor literário e contendo pensamento avançado para a época, que acaba de ser publicada no Círculo de Leitores em 30 volumes. Além de ter elevado a língua portuguesa a uma perfeição nunca antes alcançada em prosa (Fernando Pessoa não teve dúvidas em elevá-lo ao estatuto de “Imperador da Língua Portuguesa”), as suas profecias, os seus projectos de reforma política, social e eclesial, os seus protestos contra os excessos da Inquisição e dos esclavagistas continuam hoje a ser uma lição.
Nos tempos mais recentes cumpre destacar a figura do Padre Manuel Antunes, director da Brotéria e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, por cujas extraordinárias aulas passaram milhares de alunos. Considerado um dos maiores pensadores do século XX português, deixou uma obra imensa e variada que foi há poucos anos reunida e publicada em 14 volumes pela Fundação Gulbenkian. Dialogou nos seus ensaios com os grandes pensadores contemporâneos, actualizando a linguagem da cultura de uma forma tão diáfana como profunda. No pós 25 de Abril, o seu livro Repensar Portugal tornou-o um pedagogo da nossa democracia.
Por último, recentemente falecido, Luís Archer, também director da Brotéria e professor da Universidade Nova de Lisboa, é um nome maior da ciência nacional. Foi um dos pioneiros do ensino e da investigação em Genética Molecular e em Engenharia Genética. Organizou e dirigiu o primeiro laboratório da Gulbenkian nesta área, tendo formado gerações de cientistas. Durante muitos anos presidiu ao Conselho Nacional de Ética, tendo escrito obras de referência em bioética. A sua obra completa está a ser publicada pela Fundação Gulbenkian.
José Eduardo Franco e Carlos Fiolhais