quarta-feira, 30 de março de 2016

Entrevista a Edgar Morin




Hamilton/Rea

Aproveitando estes dias de descanso, entre “olás”, mar e sol, ponho alguma leitura em dia. Tinha guardado esta grande entrevista a Edgar Morin, antropólogo, sociólogo e filósofo francês de 94 anos para ler com calma. Impressiona a lucidez com que analisa os terríveis acontecimentos da actualidade, dando ferramentas para pensar e repensar a realidade. Deixo três citações, das muitas boas possíveis: 

“O único antídoto real à tentação bárbara, seja individual ou colectiva, tem por nome humanismo. Este princípio fundamental deve estar enraizado, cravado, no fundo do ser, pois graças a ele reconhece-se a qualidade humana no outro, seja quem for, reconhece-se todo o outro como ser humano. Sem esse reconhecimento do outro, tão querido a Hegel, sem esse sentido do outro que Montaigne bem exprimiu afirmando ‘ver em todo o ser humano um compatriota’, somos todos potenciais bárbaros.” […] “A popularidade de Donald Trump demonstra que os Estados Unidos e o conjunto do mundo atravessam uma era de incríveis incertezas diante das quais os cidadãos estão desnorteados e desarmados.” […] “Somente uma tomada de consciência sobre o que somos e o que queremos ser pode permitir a mudança. Os textos do Papa Francisco são tanto inesperados como de uma luminosa ilustração. E, além do mais, (…) é por nos faltar a espiritualidade, a interioridade, a meditação, a reflexão e o pensamento, que deixamos de revolucionar as nossas consciências.” 


terça-feira, 29 de março de 2016

[Momento de Orgulho]





Imagens retiradas do blogue De Rerum Natura

[Pausa para momento de orgulho, junto com vontade de que continuemos em bom caminho neste diálogo com a cultura e a promover educação livre, com solidez humana e intelectual. Um agradecimento especial aos promotores deste projecto de selos de CTT com jesuítas.] 

Transcrevo o texto publicado no blogue De Rerum Natura

Jesuítas, construtores de globalização

No dia 18 de Março, os CTT - Correios de Portugal lançaram uma emissão filatélica dedicada aos «Jesuítas, construtores da globalização». É uma emissão de quatro selos e um bloco filatélico, com trabalho gráfico de Design&etc. Em breve sairá um livro dos CTT com o mesmo título da autoria de José Eduardo Franco e Carlos Fiolhais. Transcrevo o texto da pagela que acompanha a edição filatélica.

A entrada da Companhia de Jesus em Portugal, em 1540, constituiu um dos eventos mais assinaláveis da nossa cultura. Em paralelo com o esforço missionário intercontinental, a Ordem fundada por Inácio de Loyola ergueu entre nós, em poucas décadas, uma rede de instituições de ensino secundário, chamadas colégios, e universidades (criou a segunda universidade portuguesa, em Évora, em 1659). Com base numa metodologia de ensino nova, os Jesuítas criaram a primeira rede de ensino da nossa história que se ligava com instituições de ensino regidas pelo mesmo método em diversas partes do mundo. Os colégios portugueses dos Jesuítas, que chegaram a ser trinta antes da expulsão da Companhia pelo Marquês de Pombal, estavam distribuídos pelas mais importantes cidades do país, passando pelas ilhas e pelo mundo ultramarino português. Com o regresso dos Jesuítas, após as expulsão e outras que se seguiram, a aposta da Companhia na educação, na cultura e na ciência continuou a deixar marcas na história portuguesa. Refira-se o Colégio de São Fiel, fundado no século XIX, onde se formou o primeiro Nobel português, Egas Moniz, e se fundou a revista Brotéria, que continua a ser publicada.

A Ordem de Santo Inácio exerceu uma forte influência na cultura e da sociedade portuguesas, formando figuras que deixaram obra relevante em várias áreas e que contribuíram para a modelação da identidade portuguesa. Destacamos cinco dessas figuras.

Merece relevo maior São Francisco Xavier, de origem navarra, que se tornou, no Padroado Português, no primeiro grande missionário do Oriente,  muito venerado em Portugal e no Oriente. Xavier foi um líder que moveu atrás de si multidões. O grande “missionário da Índia”, nome por que ficou conhecido, foi fundamental no desbravamento de caminhos para implantar a cristianização na Ásia, sendo de realçar o seu pioneirismo na evangelização do Japão. Membro fundador da Ordem, foi o grande construtor de uma instituição que se afirmou desde o início como global.

São João de Brito foi, ainda no século XVII, um missionário mártir no subcontinente indiano, após ter desenvolvido uma evangelização aculturacionista, isto é, uma missionação que procurava um intercâmbio entre a mensagem cristã e a cultura local. Existe hoje um Lisboa um colégio de referência com o seu nome.

No Novo Mundo, afirmou-se no século XVII o Padre António Vieira, que, vivendo entre a selva e a corte, ergueu uma ponte entre as civilizações europeia e ameríndia. Tornou-se o grande missionário da América, um pregador exímio que fez transbordar auditórios e que deixou uma vasta obra de grande valor literário e contendo pensamento avançado para a época, que acaba de ser publicada no Círculo de Leitores em 30 volumes. Além de ter elevado a língua portuguesa a uma perfeição nunca antes alcançada em prosa (Fernando Pessoa não teve dúvidas em elevá-lo ao estatuto de “Imperador da Língua Portuguesa”), as suas profecias, os seus projectos de reforma política, social e eclesial, os seus protestos contra os excessos da Inquisição e dos esclavagistas continuam hoje a ser uma lição.

Nos tempos mais recentes cumpre destacar a figura do Padre Manuel Antunes, director da Brotéria e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, por cujas extraordinárias aulas passaram milhares de alunos. Considerado um dos maiores pensadores do século XX português, deixou uma obra imensa e variada que foi há poucos anos reunida e publicada em 14 volumes pela Fundação Gulbenkian. Dialogou nos seus ensaios com os grandes pensadores contemporâneos, actualizando a linguagem da cultura de uma forma tão diáfana como profunda. No pós 25 de Abril, o seu livro Repensar Portugal tornou-o um pedagogo da nossa democracia.

Por último, recentemente falecido, Luís Archer, também director da Brotéria e  professor da Universidade Nova de Lisboa, é um nome maior da ciência nacional. Foi um dos pioneiros do ensino e da investigação em Genética Molecular e em Engenharia Genética.  Organizou e dirigiu o primeiro laboratório da Gulbenkian nesta área, tendo formado gerações de cientistas. Durante muitos anos presidiu ao Conselho Nacional de Ética, tendo escrito obras de referência em bioética. A sua obra completa está a ser publicada  pela Fundação Gulbenkian. 



José Eduardo Franco e Carlos Fiolhais

Convite




Vittorio Poli


Recebo formalmente o convite para orientar algo num workshop em Cuidados Paliativos Neonatais, organizado pela Sociedade Portuguesa de Neonatologia. Dei o meu sim. É grande desafio ajudar no acompanhamento em fases tão delicadas, fortes, densas e, sim, sagradas da Vida.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Violência | Conversão




Candy Caldwell


[Secção desabafos] A violência continua. Mais próximo ou mais longe, continua. E dói, também quando há categoria de mortos. Quando alguém morre, sobretudo de forma brutal e violenta, é parte da humanidade que morre com essa pessoa. No fundo, parafraseando o poeta John Donne, também os sinos tocam de modo fúnebre por cada um de nós. Este nivelamento dos mortos é ajudado pela quantidade e qualidade de informação que recebemos e que, infelizmente, acaba por não ser filtrada pela reflexão ou, com mais sentido ainda, pela exigente e necessária conversão pessoal. Rapidamente se pode chamar de hipocrisia a uma série de coisas, diante da reacção ou não reacção aos acontecimentos do mundo. Tive a mesma tentação e parece-me que o caminho não é por aí. Inevitavelmente acaba por haver pequenos e depois grandes ataques, em gestos e em muitas palavras, gerando e alimentando ainda mais violência no nosso ser. Revolta e muito, tanto a violência, como aconteceu em Bruxelas, em Lahore, e acontece em tantas casas, ruas, mais próximas de nós, como a indiferença ou incoerência nos meios de acção ou manifestação. Em oração pergunto-me como posso mudar isto e ser fonte de luz e esperança no mundo. Há mecanismos e estruturas maiores que eu, é óbvio. A complexidade da sociedade não me permite ingenuidade na busca de resposta a essa pergunta em oração. No entanto, não posso deixar que algo ou alguém me diminua na potencialidade. Como é que eu me mudo, para não ficar insensível, para não deixar que o medo e a violência, em especial em ódio e vontade de vingança, ganhem espaço no meu ser? Eu sou responsável pelo mal e pelo bem. Não são apenas os outros, “eles” num abstracto ou concreto, eu também sou responsável pelo mundo. Não tem que ver com culpabilização, mas responsabilidade pela minha formação, nesse contributo de Paz que posso viver e promover. Tenho-me mudado, madurado, vivido, no grande caminho de conhecimento de feridas e dores pessoais, nessa verdade que muitas vezes dói, junto com os dons que recebo e desenvolvo. Sempre que posso, celebro a Missa da Reconciliação e, diante de Deus, peço a graça da Paz. Assusta-me e preocupa-me ver a imensa falta de amor-próprio que desponta de forma forte. Quem promove a violência não se ama e nessa falta de amor rejeita-se de tal maneira que projecta no outro as suas frustrações, dores e angústias. Nenhum tipo de violência pode ser justificado em nome de Deus. O que pode e deve ser justificado em nome de Deus é o caminho de conversão pessoal, que leve a perceber a riqueza da vida de cada um. Mas esse depende da liberdade em se querer amar como se é… e isso, como se tem visto, é mais difícil do que parece. Nós não somos chamados a ser bonzinhos, mas alguém que, por ter coração de carne, podendo sentir ódio, raiva, vontade de vingança, escolhe a dura e exigente possibilidade de libertar esses sentimentos na descoberta da Vida que anula a morte.

domingo, 27 de março de 2016

Domingo de Páscoa




Christopher Martin


[Secção outros tons - especial Domingo de Páscoa] As Mulheres vivem a intuição do nascer. Conhecem as entranhas que concebem. Aproximam-se para ungir o corpo. Vivo. Apóstolas anunciam aos Apóstolos, que correm e vêm a certeza da fé para além da razão. Deus vive a promessa. O fim deixa de ser a morte. O fim dá-se no encontro com Cristo que a todos abraça. 


Santa Páscoa a todas e todos que por aqui nos vamos encontrando. Um forte abraço e a minha oração por vocês, pela Vida e, em especial, pela Paz e Reconciliação no mundo.


sábado, 26 de março de 2016

Noite do Fogo Novo




[Secção outros tons - especial Noite do Fogo Novo] No silêncio ouve-se o crepitar da chama que aquece a espera. Outrora, foi a coluna de fogo a abrir o caminho da liberdade. Depois dos passos, da angústia, nesta noite do Fogo Novo revela-se suavemente o mistério: deu-se a passagem da salvação.

Sábado Santo




Malgorzata Walkowska


[Secção outros tons - especial Sábado Santo] Entre a raiva e a desilusão afasto-me de tudo o que acreditei. Morreste, tu que prometias a vida. Tu, com olhar brilhante enquanto falavas do novo reino já presente. É isto? O vazio? Enganaste-me. Enganaste-nos um por um. O retumbar dessa pedra que selou o teu corpo morto ainda me ecoa nas entranhas. Nem lágrimas tenho, se é que mereces ser chorado. Fizeste-me conhecer o amor, nesse teu cuidar de almas rejeitadas e postas de lado. Fizeste-me crer no profundo respeito por cada pessoa, onde o perdão brotava de cada sorriso teu. E agora, imagino-te aí enrolado em faixas perfumadas para dignificar minimamente a morte indigna clamada pelo Povo que Deus libertou. Quem és tu? Quem eras tu, afinal? A memória da frescura dos pés por ti lavados fazem-me caminhar.

sexta-feira, 25 de março de 2016

Do anúncio do sim de Maria, ao anúncio do não dos discípulos.




Dylan Shaw

Inicialmente publicado no iMissio ... escrito a pensar e a rezar: “Que dia denso, este 25 de Março de 2016!”.

Está muito a acontecer no mundo. Mudanças são pedidas, quase exigidas, diante de tudo o que se sente. E hoje, a vida e a morte estão de mãos dadas como há muito não passava. Celebramos a Sexta-feira Santa, em 25 de Março, dia solene da Anunciação do Senhor. Em mim provoca-me muita agitação. Não a considero apenas uma estranha coincidência, parece-me forte sinal do tempo a pedir transformação. Tanto há que morrer, como o orgulho, o poder desmedido, a falta de amor próprio e de consciência do outro para além do gosto pessoal, o desrespeito pela diferença, na cultura, na raça, no sexo, para dar espaço à escuta e acção do profundo sentido da Paz. 

Gabriel anuncia a Maria a vida do príncipe da Paz. O corpo que se começa a formar no seu seio é de mudança. As palavras e gestos são para dignificar o oprimido, abrindo portas ao rejeitado e excluído. O mundo novo acontece, nesse despertar de amor que ganha corpo, com a ternura com que fala com as crianças e a força com que expulsa quem faz da casa do Pai um covil de ladrões. O templo já não é aqui ou ali, mas em cada coração que está disposto a deixar que todas as pedras se transformem em carne. É aí que paro na oração. Senhor, faz-me ver onde tenho as pedras que te quero atirar, estando tu em mim ou nalgum dos meus irmãos e irmãs, em especial, naqueles com quem tenho mais dificuldade em me relacionar ou perdoar até. Que a tua carne seja a minha carne, que se entrega em vida.

É nessa entrega que surge a Sexta-feira Santa. Este dia que rasga o véu, que faz tremer todos os alicerces da fé e do entendimento de Deus. Do anúncio do sim de Maria, ao anúncio do não dos discípulos. Também em mim dançam o sim e o não. É tempo de transformação. Hoje, a morte e a vida de Deus estão de mãos dadas. É tempo de silêncio para, mais que compreender, viver o muito a que somos chamados no caminho da Paz. 


Sexta-feira Santa




Aditya Varma


[Secção outros tons - especial Sexta-feira Santa] Enevoa-se o olhar. Levanta-se a poeira no arrastar dos passos do cansaço, enquanto gotas de sangue regam lágrimas de incompreensão. Apodera-se o silêncio dos malditos. Nos ombros, o peso das culpas das multidões. Eleva-se a história. Trespassa-se o cordeiro. Rasga-se o véu. Eis o Homem. Eis Deus. Morto dando Vida.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Noite da angústia




Esta é a noite da angústia. O coração contrai-se diante das muitas perguntas que se prolongam nas horas que se seguem. Quem é Jesus? Quem é Deus? Estou com um grupo de alunos a viver estes dias. Enquanto estava com eles a celebrar a Ceia e, depois, em adoração na capela escura, o pensamento voou em perguntas. Minhas e de muita gente que vou escutando e lendo. O que é isto de Deus fazer-se alimento? Mas, depois, o que é isto da divindade desaparecer, assumindo todo o sofrimento humano? Sim, a fé pode ser perdida nesse vazio em noite. Os discípulos passaram por isso. Dispersaram-se. Silenciaram-se de medo. É uma estranha noite que prolonga e condensa em três dias todas as questões de fé. Penso no respeito que tenho de ter diante do sofrimento de tanta gente nas suas mais variadas formas, em especial nas suas dúvidas ou faltas de fé. Não tenho o direito nem de julgar, nem de dar respostas rápidas, como soluções de modo a não enfrentar a angústia do sem sentido que pode alastrar. Daí que, esta é a noite da angústia. “Afasta de mim este cálice!”, ressoa desde as entranhas de quem assume a injustiça, a fraqueza, a vulnerabilidade, a miséria humana. “Faça-se a Tua vontade e não a minha!” Há consciência de que o mal já não se enfrenta do mesmo modo. O volte-face acontece no amor… aos que o condenam. E é tão difícil aguentar este amor. É terrivelmente estranho. Apetece gritar para que Deus não seja Deus desta forma. Seria mais fácil o cálice ficar por beber. Mas foi bebido, obrigando ainda a mais perguntas. É a noite da angústia, que desvela Deus que chora cada dor de cada homem e mulher que amam e sofrem na pele a injustiça do mal. É a noite da angústia reveladora do estranho amor de Deus. 

Quinta-feira Santa




Final da coreografia Still Life de Dimitris Papaioannou

[Secção outros tons - especial Quinta-feira Santa] Dissipa-se o horizonte em toalha de linho. As ervas, os frutos secos, o ázimo e o vinho compõem vasos de barro. De liberdade unge-se a história. Novo olhar, como exemplo, enquanto se sente a frescura da água nos pés. Cumpre-se a profecia. Revela-se a hora. O cordeiro está pronto.

quarta-feira, 23 de março de 2016

Quarta-feira da Semana Santa




 Maciej Dakowicz

[Secção outros tons – especial Semana Santa] Escuta. Escuto. O ruído calado diante da verdade sempre anunciada pelo paráclito. Escuta a proximidade do tempo, em tilintar de moedas que reluzem nojo, pagando a continuidade da miséria humana. “Tu o disseste”, ou já esqueceste o peso da denúncia? Sabes bem que o pão está preparado.


terça-feira, 22 de março de 2016

Silêncio... em Semana Santa [iMissio]


Joe Leung

Inicialmente publicado no iMissio ... e que, apesar de ter sido escrito ontem, tem maior impacto com os acontecimentos de hoje.

Esta Semana faz-me sempre viver especial silêncio. Não é o silêncio de estar calado. Ainda há reuniões, conversas, preparações de Tríduo Pascal. Não é o silêncio de nada ouvir. As palavras e os gestos falam em cada dia desta Semana. É aquele silêncio habitado pela densidade dos acontecimentos que levam à passagem da morte à vida. Não é “apenas” Cristo que se entrega, é o actualizar da Paixão por esse mundo fora, em injustiças, em histórias mal contadas, em perseguições, em violência gratuita, em humilhações de tantos homens, mulheres e crianças. O silêncio desta semana faz reviver gritos de quem não tem voz, de pessoas abandonadas na sua existência porque são diferentes do que se estabelece como normal. O que é o normal? Ou melhor, o que é a verdade? Pergunta que ecoa… tendo silêncio como resposta.

Perde-se tempo. Perde-se o tempo. Com acessórios ruidosos, tentando justificar a força do desamor. Há que ler e reler o Evangelho, como ampliação das 24 horas mais explicadas da vida de Jesus. Percebo o desconforto. Afinal, também O condeno por ser tão autêntico, por não desejar combater o mal com igual mal. Percebe-se que escândalo da cruz não é a cruz, mas o rasgar de tudo o que impeça ver Deus face-a-face. Esse olhar, que comoveu Pedro negador, ilumina cada recanto do ser e amplia o horizonte de mim mesmo, criatura sempre amada. Só diante dessa luz abraço a possibilidade de renovar-me e ser participante desse caminho de Paz. É preciso silêncio para escutar a entrega do Espírito. Ninguém fica de fora. E o mundo continua nas dores de parto. Em caminho para a grande passagem.

Terça-feira da Semana Santa




Bates Littlehales

[Secção outros tons – especial Semana Santa] Nas entranhas forma-se a boca que não cala o grito surdo dos justos. Poucos escutam a afirmação do que sou. E não sou poder ou morte, mas em caminho de mesa posta em telheiro de repouso. Os olhares confundidos tentam acompanhar-me os passos, sem se aperceberem do silêncio triste do galo. Anoitece, com barcos a afundar e explosões no amanhecer. Até quando?

segunda-feira, 21 de março de 2016

Segunda-feira da Semana Santa




Hideyuki Katagiri

[Secção outros tons – especial Semana Santa] Com aroma de flores novas reveste-se cada pé. Traços de poesia, onde as palavras se calam e os gestos encarnam na outra face, virada, preparada, aberta à liberdade. Soltam-se os cabelos. As amarras atarão em breve o corpo incompreendido.

domingo, 20 de março de 2016

Vida




Toni Guetta

[Secção outros tons] “Aprendi com a Primavera a deixar-me cortar para voltar a nascer inteira." Cecilia Meireles | Em oração apercebo-me da força presente na coincidência do Domingo de Ramos com o início da Primavera. Nesta semana que entra, o Silêncio ganha espaço, deixando falar a escuta do passo de entrega. A vida de Deus mais uma vez converte-se em novos tempos e convida à renovação de cada ser.

sábado, 19 de março de 2016

padre | pater | pai




Kátia Viola


“E porque padre vem de pater e pater é pai, feliz dia do pai! Abraço apertado!” Recebo esta mensagem pela primeira vez neste dia. Daria para escrever muito. Fica para depois, tendo em conta o bom cansaço que sinto depois de uma peregrinação com muita animação, com educadores e alunos. Agora, que é bonita, é, e fico com um grande sorriso ao lê-la… além de recordar, entre outros, este abraço de filho padre novo ao pai José e à mãe Maria. :)

sexta-feira, 18 de março de 2016

Parar e reparar




Olga Gamburg

[Secção desabafos] Perdão, amor, discernimento, paz, afecto, escuta, respeito, silêncio, dignidade, Primavera, fé, mistério, deveria ser menos dito e mais vivido. E o mundo, pelo que andamos a ler, a ouvir, a ver, precisa tanto de parar e reparar. Sabendo que o mundo… é cada um de nós.

quarta-feira, 16 de março de 2016

3 anos




Esta foto foi tirada há precisamente 3 anos, no dia da minha ordenação de diácono. Foi dos dias mais emocionantes da minha vida. Por muito! Nas semanas anteriores, tendo em conta que estava em Madrid e muitos amigos não poderiam ir, comecei a partilhar pelo facebook e por aqui no blogue o que ia sentindo com a preparação deste dia especial. Também comecei a receber mensagens e comentários de pessoas que não conhecia pessoalmente, a dizer que rezavam por mim agradecidas pelo que ia partilhando. Volto a ela, pois, além de agradecer a Deus os 3 anos de serviço consagrado, e com tanto de bom que aconteceu, esta rede social tem fomentado boas partilhas, encontros, conversas… onde continuo com o mesmo sentimento de “I LIKE you”. E como padre, aqui continuo a servir. 


domingo, 13 de março de 2016

3 anos de Papa Francisco




Alessandra Tarantino/AP


3 anos de Papa Francisco. Naquele final de tarde de 13 de Março de 2013, estávamos os cinco que íamos ser ordenados diáconos, junto com o Provincial de Espanha, a falar com D. Fidel, o bispo auxiliar de Madrid, quando os sinos da Catedral da Almudena, pelas 19 e algo, começam a tocar a repique. Olhámo-nos e “temos Papa”. Assume o nome de Francisco, aparecendo com a maior naturalidade diante da multidão. A naturalidade de quem gosta de pessoas, com desejo de as servir, à semelhança de Cristo, a quem se dispôs a seguir pela consagração religiosa. Começou um papado, nem melhor, nem pior que outros, diferente, ao seu estilo de proximidade e de acolhimento. Também na percepção sobre o que é chamado a fazer para que a Igreja continue a viver o profundo do Concílio Vaticano II. Uma preocupação com o mundo, em especial com os mais fracos, pobres e desprotegidos, construindo pontes nas suas relações religiosas, sociais e políticas. Percebe-se por muitas das suas intervenções que deseja as mudanças necessárias. No mundo, sim, e em especial na Igreja na qual tem a responsabilidade de servir. A forma como apela à misericórdia, ao ponto de convocar o Jubileu, é incessante. Misericórdia com tantos os que nos buscam, pelo profundo sentido de acolhimento que temos de promover, mesmo que implique riscos. Afinal, a Igreja deve ser “hospital de campanha”, sem problemas de ter “cheiro a ovelha”. Por isso, também, ou a começar por, Misericórdia dentro da própria Igreja, que, sem problemas em reconhecer, tem ainda, infelizmente, muito de maledicência, inveja, desejo de poder, esquecendo, nessas situações, o verdadeiro interesse das pessoas. Afinal, de que servem grandes pregações se há incoerência de corpo e de alma? Depois, o muito de bom que a Igreja faz no cuidado de tantos por esse mundo fora é abafado, além das polémicas, por questões de inadaptação às mudanças que também o próprio mundo vive. Seria ridículo aceitar tudo e nisso também se percebe o quanto Francisco tem de sentido crítico nas reflexões que faz, sem afirmar palavra absoluta, por ter claro que absoluto somente Deus. Muitos afirmam jogadas de marketing, outros que é só uma maquilhagem e que, no fundo, tudo se mantém. Para quem tomar um pouco do seu tempo, perceberá que o Papa Francisco tenta avançar no que é urgente, necessário e universal. São 3 anos de Papa Francisco, com a sensação de que foram mais. Tal como sempre pede, tenho-o na minha oração, de forma agradecida por me continuar a mostrar que o serviço, o respeito, o diálogo, a misericórdia são caminhos privilegiados de encontro com o próximo e com Deus.

sábado, 12 de março de 2016

Feedbacks




Nelson Fonseca

Tenho recebido bastantes feedbacks sobre a minha entrevista n’A Praça. Excluído um, de bastante longe e um tanto ou quanto surreal, em que por várias vezes o senhor afirmou que se não me retractasse tinha o inferno garantido (enfim, lá lhe dei um pouco de escuta, sem o julgar), todos têm sido muito cheios de amizade. Hoje recebi um de um amigo de longa data que me provocou um grande sorriso e emoção, até. Fez-me recordar muitos momentos da adolescência e partilhou sobre a beleza da vida e o caminho de humanidade. As partilhas dele por aqui têm-me mostrado a importância dos pormenores e do pequeno na Natureza. Na mensagem de hoje, revelou um pouco mais da sua grandeza. E é isto. 

"Perdoa. Junta-te à festa"



A 12 de Março de 1622, Inácio de Loiola, fundador da Companhia de Jesus, foi canonizado pelo Papa Gregório XV. Nos Colégios dos jesuítas, em Portugal (CAIC, Caldinhas e S. João de Brito) vivemos por esta altura a Semana Inaciana. Acompanhando o Jubileu da Misericórdia e inspirado na parábola do Filho Pródigo, o tema deste ano convida-nos a celebrar a alegria do Perdão, a perdoar e/ou a ser perdoado. É isso: “Perdoa. Junta-te à festa.” Fez-se um vídeo onde alunos e educadores falam do Perdão. Aqui está o teaser. Já estamos em preparativos.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Confessar até é fácil




Malgorzata Walkolwska

“Stôr, ou padre, obrigado. Afinal isto de confessar até é fácil.” Nestes dias temos vivido tempo especial de reconciliação para alunos. Quando chegou ao gabinete estava numa pilha de nervos. Sentou-se. Esfregava as mãos nas pernas, com aquele olhar de… “ai e agora!” Sorri e:
- Então, o que é que gostaria de agradecer? 
- Como? Mas, não é para dizer os pecados? 
- Está com pressa?
- Não. Mas é estranho. 
- Se começarmos por agradecer, percebemos muito mais da riqueza da vida. Depois vemos a partir do agradecer onde andamos a falhar para não aproveitar melhor essa riqueza. Deus não é um juiz e a confissão não é um tribunal, mas o espaço e tempo de encontro com a vida que Ele nos quer dar. 


Entre lágrimas, sorrisos, gargalhadas, surpresas e boas conversas, tem sido muito bom vê-los sair com ar de respiro e alívio. “Afinal, isto de confessar até é fácil.” ;)

terça-feira, 8 de março de 2016

Agir ao que leva à dignidade...




Dasha Horita


Há coisas que não são de escrever ou dizer, mas de simplesmente fazer. Neste caso, agir em tudo o que leve à dignidade humana, seja em género feminino ou masculino. Parece-me que tem de haver a complementaridade que dá sentido à evolução humana. No entanto, infelizmente, há que marcar em datas o recordar de que a Mulher não é, nem escrava, nem adorno, nem, como ainda em tanto sítio passa, um ser de segunda ou de terceira. O ponto fundamental: a educação. Educar cada menina, rapariga, mulher a viver o respeito por si própria. Educar cada menino, rapaz, homem a viver o respeito por si próprio. Educar ambos para respeitarem o outro, com igual dignidade, fazendo os possíveis para que todos, em especial as mulheres por serem as que mais sofrem, possam ter educação e os seus direitos respeitados.

domingo, 6 de março de 2016

"nossas" e "vossas"




Olivier Galibert


Uma das conversas que me marcou, daquelas que são dignas de registo de diário, teve como dito “é mesmo estranho, vocês convidam-nos para as vossas coisas, mas nunca aparecem nas nossas”. Esta conversa aconteceu já lá vão uns anos, enquanto estudava filosofia. Convidava uma colega para uma actividade “nossa”, talvez fosse a peregrinação dos centros universitários, não me recordo bem. Seja como for, era algo nosso, no sentido mais religioso. E o que dizia tinha sentido, nós, pelas razões mais variadas e mais ou menos justificadas, raramente íamos, por exemplo, ou a um jantar académico ou a um simples encontro de copos de 5.ª à noite. Alargando este “nossas” e “vossas” coisas, nós, religiosos, corremos o risco de continuar a separar as actividades ou “festas”. A questão não é de serem umas melhores que as outras, mas de acto de presença. Esse estar que dá abertura a conversas inesperadas, noutros contextos. Tanto é importante falar da vida em registo de confessionário, como no de “copo na mão”. Pode-se abordar o mesmo em modos diferentes. Para mim, parece-me, o importante é mostrar que se está, sem que haja necessariamente algo a fazer ou a dizer. Da minha experiência, a tão simples presença marca muito, e a pessoa ou a comunidade que convida e acolhe sente-se, curiosamente, também acolhida como é.

sábado, 5 de março de 2016

Pontes




Stephane Couture


Tenho amigos não crentes em Deus que ajudam-me muito no caminho de fé, como que a limpá-la. Muitos, ou talvez todos, podem não se dar conta disso, mas o modo como colocam algumas questões ou apresentam o seu ponto de vista, em posts ou conversas, fazem-me reparar noutra perspectiva da realidade. Não que aceite tudo de imediato, numa pseudo-tolerância, mas, por ir conhecendo o modo de escuta de Jesus, tenho baixado defesas tontas que impedem o diálogo. Aos poucos, vou sentindo as estruturas fundamentais cada vez mais fortes para continuar a construir, mais que fortalezas, pontes.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Coisas... de oração




Miguel Quental

- P. Paulo, diz que rezar é das coisas mais fáceis, mas não consigo. Sempre que o faço, tudo me distrai, não me apetece. Acabo por parar, com desconsolo e sentindo culpa por não conseguir dar tempo a Deus. 
- Pois, rezar é mais simples do que parece, sim. Mas antes vamos lá acalmar a culpa. Sabe que Sto. Inácio fala-nos de que quando não há desejo de Deus, pode haver o desejo de desejar e isso não é de menosprezar. Pelo que me apercebo, já há a vontade e o desejo, logo já se começa o caminho. Ok, só pela vontade não vamos lá. Agora há o “como”. Como costuma fazer?
- Oh, o normal. Sento-me e digo as fórmulas que conheço, mas acabo por pensar noutras coisas.
- Hmmm, e será que essas coisas não têm mesmo de ser pensadas com calma?
- Está-me a dizer que tenho de pensar com calma, por exemplo, as coisas que tenho de fazer?
- Porque não? Se der espaço mental a essas coisas e disser para si que lhe vai dar atenção assim que possa, está a respeitar o seu pensamento. Depois, tome o seu tempo de forma adequada. Comece com 5 minutos, a agradecer, por exemplo, o tão simples e tão vital acto de respirar. Sim, acalme o coração, no tempo que tem. A oração é simples, pois, seja em 5 minutos ou numa hora ou até duas, o importante é a deixar-me entregar tal como sou. Claro, se há toda a azáfama da casa, depois de um dia de trabalho, com filhos e etc. e tal, não se pode querer rezar como um monge contemplativo. Se nesse quotidiano for entregando a Deus a vida e conseguir os 5 minutos de “café” com Ele, vai dando o espaço e o tempo possíveis. Deus sabe bem que super-homem ou super-mulher só mesmo nas bandas desenhadas e filmes. Por isso, comece com pouco, prático e possível. ;) 

quarta-feira, 2 de março de 2016

Entrevistado n'A Praça




Desde já agradeço a simpatia de toda a produção, Beatriz em especial, e, obviamente, dos apresentadores, Jorge Gabriel e Sónia Araújo. Aqui temos um momento de humor, no final da entrevista. Agradeço também todas as mensagens e telefonemas que estou a receber com manifestações de carinho. E, de forma especial, agradeço a formação na Companhia de Jesus e os dons que Deus me concede... entre eles o de saber comunicar. 


A entrevista começa aos 7 minutos da 4.ª parte. :)

terça-feira, 1 de março de 2016

Amanhã n'A Praça




Diz que amanhã vou ser entrevistado por esta senhora e por este senhor... ou por um deles. Será pelas 12h20/12h30. Espera-se uma boa conversa, sobre vocação, ensino, vida, Deus. :)