segunda-feira, 20 de abril de 2015

Nenhum ser humano é ilegal




Associated Press


Ontem à noite pensei muito na morte. Lembrei-me de histórias contadas em primeira mão quando visitava as pessoas detidas no centro de internamento de estrangeiros (CIE) em Madrid. Visitei o Justin, do Senegal. Era pescador e arriscou uma vida melhor, deixando a família. Fez os devidos pagamentos “àqueles” que prometem a tal vida melhor. Todos os do barco foram detidos ao atravessar o Mediterrâneo e o Justin foi para prisão durante 3 anos por ser considerado o capitão por ir a conduzir. Ao fim desse tempo, ao sair da prisão a polícia já o esperava para levá-lo para o CIE. Aí estava, a falar um muito rudimentar espanhol, sem saber inglês ou francês. Tentávamos comunicar por gestos. Dificilmente um africano chora, em público muito menos. Às tantas, o sofrimento daquele homem transbordou em lágrimas que por força queria controlar e não conseguia. Além do sofrimento, juntou-se a vergonha de estar a chorar diante de um quase desconhecido. Regressar ao Senegal significava morrer, com o pensamento de que a família também poderia morrer às mãos “daqueles” que prometeram a tal melhor vida. Estes dias mais 700 pessoas morreram na busca de uma vida melhor, enganadas por tanta gente. Enganadas pelo idealismo do “sonho europeu”, por aqueles a quem pagaram por lhes terem prometido o “sonho europeu”, por políticas que elevam a economia à realidade primordial, alimentando guerras e terrorismo, por este lado de hipocrisia social, onde as vidas se reduzem à abstracção de números, diluindo-se no Mar os nomes e os rostos, não só dos que partiram, mas dos que ficam, muitos sem saber o que aconteceu a quem partiu. A quem governa, recordem que ninguém é imortal e que de nada servirá nem o poder, nem o dinheiro. Seria bom que ajudassem a eternizar que nenhum ser humano é ilegal, impedindo, por um lado, a escravatura social, política, religiosa e económica, por outro, a morte desumana enquanto busca de vida.

Sem comentários:

Enviar um comentário