quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Chegado...


... de férias, Encontro(s), Campo de Férias, Curso e Exercícios Espirituais...


Mas, com Etty Hillesum no pensamento:

Sobre as coisas derradeiras e sérias desta vida só se deve falar realmente quando as palavras brotam de ti tão simples e naturais como se fossem água de uma fonte.

Como tal, muito há a falar, mas seria para conversas mais pessoais...

No entanto, deixo um dia do Diário de Etty que me acompanha em leitura, nestes dias:




Sábado à noite [20 de Junho de 1942], meia-noite e meia.


A fim de humilhar são necessários dois. Aquele que humilha, e aquele que se quer humilhar e sobretudo: que se deixa humilhar. Faltando a última condição: a parte passiva é imune a qualquer humilhação, então as humilhações evaporam-se no ar. O que resta são apenas medidas complicadas que intervêm na vida diária, mas nada de humilhações ou repressões que oprimem a alma. Deve educar-se os judeus para isso. Esta manhã passei de bicicleta pelo Stadionkade e desfrutei do vasto céu ali nos limites da cidade e inspirei o ar fresco e não racionado. E tabuletas por toda a parte, que impediam os judeus o livre acesso aos caminhos e ao campo aberto. Mas sobre aquele pedaço de caminho, que permanece nosso, também existe o céu total. Não nos podem fazer nada, não nos podem fazer realmente nada. Podem tornar-nos as coisas algo complicadas, podem roubar-nos alguns bens materiais, alguma aparente liberdade de movimentos, mas somos nós que comentemos o maior roubo a nós próprios, roubamo-nos as nossas melhores forças através da nossa mentalidade errada. Através de nos sentirmos perseguidos, humilhados e oprimidos. Através do nosso ódio. Através de fanfarronice que esconde o medo. Bem podemos às vezes sentir-nos tristes e abatidos por causa daquilo que nos fazem, isso é humano e compreensível. Porém: o maior roubo que nos é feito somos nós mesmos que o fazemos. Eu acho a vida bela e sinto-me livre. Os céus dentro de mim são tão vastos como os que estão por cima de mim. Creio em Deus e creio na humanidade, e aos poucos vou-me atrevendo a dizê-lo sem falsa vergonha. A vida é difícil, mas isso não faz mal. Uma pessoa deve começar a levar-se a sério e o resto segue por si mesmo. E “trabalhar a própria personalidade” não é certamente um individualismo doentio. E uma paz só pode ser verdadeiramente uma paz mais tarde, depois de cada indivíduo criar paz dentro de si e banir o ódio contra o seu semelhante, seja ele de que raça ou povo for, e o vença e o mude em algo que deixe de ser ódio, talvez até em amor ao fim de um tempo, ou será isto pedir demasiado? Contudo é a única solução.
E assim podia eu continuar, páginas e páginas seguidas. Também posso parar. Aquele pedacinho de eternidade que uma pessoa transporta consigo tanto pode ser tratado conclusivamente numa palavra, ou em dez tomos grossos de um tratado. Sou uma pessoa feliz e louvo esta vida, sim, sim, no ano da Graça de Nosso Senhor, continua a ser de Nosso Senhor, de 1942, que ano da guerra?

6 comentários:

  1. Bonito. Mas há outro diário também muito bonito, o diário de Josué. Conta assim: Quando Israel acabou de matar todos os habitantes de Hai no campo, no deserto onde os haviam perseguido, e depois de todos eles terem caído ao fio da espada, os israelitas voltaram para Hai e passaram ao fio da espada toda a população. O total dos que caíram nesse dia, entre homens e mulheres, foi de doze mil, isto é, toda a população de Hai.

    Mais bonito só mesmo o diário de uma rainha, de nome Ester: E o rei disse à rainha Ester: "Só na fortaleza de Susa, os judeus mataram e exterminaram quinhentos homens e os dez filhos de Amã. "

    E só para provar que é preciso "banir o ódio, etc", fica mais um exemplo, pode ser dos Macabeus. Segundo nos diz, "Soube também que os judeus estavam a ficar mais perigosos por causa da quantidade de armas..."

    Sabemos, portanto, onde é que os Nazis foram buscar a inspiração. Sabemos também que os Judeus continuam a ser uma insuperáveis quanto ao talento de chacinar seres humanos não eleitos.

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  2. Paulo bem vindo, tava farto de perguntar por ti, e até ia perguntá-lo no blog.

    Primeiro a humilhação e esqueçamos esta, a que os judeus foram sujeitos, despojando-os de dignidade.

    Primeiro a humilhação, mas naquilo que me está mais próximo, no Amor. Refiro humilhação, embora seja uma palavra estranha, não a sinto como tal. Há outros que a referem mais vezes, sentem-se humilhados quando expressam o k sentem, ou quando perante a negação de um, pedem que regresse.

    Bom, mas são outros mundos. No mundo de Etty, o amor não servia para entreter o pensamento. Primeiro havia a questão da sobrevivência.

    O que é admirável nesse texto, é o espirito "feliz" que transmite. É uma grande lição de vida. "Sou uma pessoa feliz e louvo esta vida, sim, sim, no ano da Graça de Nosso Senhor, continua a ser de Nosso Senhor, de 1942, que ano da guerra?"

    Sinto hoje algo semelhante. Ontem percebi que o mundo não vai mudar. Os dois polos maiores vão derreter, os outros dois vão enrijecer. McCain vai ganhar, porque o discurso do medo vai ganhar, e porque a Russia assim o quer e está a ajudar, o médio oriente também o deseja, só falta as coreias e até Chaves e Castro aparecerem. No final ganha o poder. O sonho de King nunca irá concretizar-se enquanto o Homem não enfrentar os seus medos e ceder ao que é mais difícil, a bondade, o altruismo, o outro. O mundo vai ficar pior, mas somos felizes. É esta a mensagem.

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  4. Amigo Paulo,

    Parece-me engraçada a forma de regressar ao mundo “bloguense” pela/ com a questão da Palavra. Duas atitudes surgiram quando reli a citação: ora de aceitação, pois julgo que quanto mais de dentro, mais natural e autêntico e, por isso, mais verdadeiro; ora de rejeição, já que natural pouco reflectido e espontâneo para assuntos que podem ser demasiadamente importantes (já para não falar do tópico das vivências mais ou menos pessoais e da sua “acomodação”). A questão, como já falámos, é, de facto, complexa… Mas qual não é? Simplificar nem sempre ajuda…

    Não poderia deixar, também, de tecer um breve (e também pouco natural, porque mais pensado) comentário à página de diário de Etty. Ficamos a tentar perceber que mulher é esta e que força a move! Concede-nos uma visão crítica e pragmaticamente idílica sobre o agir e surpreende-nos pela sua capacidade analítica mesmos com os condicionalismos a que está sujeita (ou, talvez, por isso mesmo nos surpreenda). Descortina o verbo da coerência semântica e, numa educação pessoal (que não tem de ser finalisticamente egocêntrica), transfigura a primeira acção numa outra. O mau deixa de o ser, porque somos mais imunes a ele, aparentemente… e sentimo-nos felizes, apesar das circunstâncias e de parecer que o mundo anda ao revés. Embora se afigure como solução experimentada, dá-nos uma lição de reacção: precisamos de encetar mudanças, primeiro em nós, aproximando-nos de práticas que conduzam à liberdade, à paz, à partilha, ou seja, ao mais Humano possível. Talvez, assim, porque somos animais de imitação, consigamos, mesmo que pouco seja, ver, no mundo que se avizinha escuro, o céu que nos cobre que mais não senão em parte de nós!

    Paulo, porque inicias agora (digamos “formalmente”) esta nova fase de educador e porque te tornas “exemplo”, desejo que orientes o caminho que leva à descoberta do que de melhor há em cada um.

    Abraço forte,

    m.m.

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  5. Sim, de regresso, morgado. Podia ter dado notícias, é certo, mas ia rapidamente ver mails. Agora estou a pôr as respostas em dia… (E posts, espero...)!

    Como dizes, morgado, o mundo segue, nesta conquista quase crónica de poder, este desejo de ter e ter e ter… E mais mortes, ao mesmo tempo que muita futilidade acontece. É estranho e até mesmo doloroso por vezes... Agora, vale-nos isto, a felicidade, não ingénua, que podemos desenvolver no nosso coração. Daí ter partilhado esta página, como bem apanhaste.

    Pedro, não percebi o seu comentário. Se foi um desabafo, muito bem, mas se foi em reacção à página escrita por Etty, não percebi. Bem, e depois também com o teu comentário, m.m. – que também agradeço –, confirma-se que estas questões de interpretação podem causar mal entendidos. Daí que, na medida do possível, tento explicar-me o melhor que posso. Por vezes, se não quase sempre, as ambiguidades podem ser destrutivas.

    Pergunto: será que o que foi feito, ou é feito, tem de levar a uma atitude de retribuição vingativa, considerada merecida? Ou seja, por este ou aquele povo, raça, ter feito isto ou aquilo, terá de levar com a mesma moeda? Sim, está escrito “olho por olho, dente por dente”, ou seja a famosa lei de talião, já presente do Antigo Testamento. Esperariam os judeus que tal lhes acontecesse? Mas, sinceramente, não vejo ser por aí o caminho… Matar, seja pelo que for, é abominável! Cá está, assim sendo, o eliminar do ódio, que Etty fala, refere-se a todo o ser humano e não simplesmente aos judeus, como algo exclusivo de povo eleito. É certo que lendo apenas esta página pode assim parecer, mas depois de se ler o seu diário, vai-se acompanhando como esta mulher muda a sua visão quer de si, quer do mundo. Isto para mim é marcante, quando tal acontece na adversidade. Mesmo naquela altura já era incompreendida – mesmo pelos seus pares – e sentia-lo.

    O ser humano é muito complicado, bolas, a História, e não só, assim o confirma. No entanto, a marca do Amor está lá…

    Por isso, como o m.m. bem o diz, e colocando eu em interrogação: “que Mulher (propositadamente em maiúscula) é esta?” Em mim, a leitura deste “Diário” tem confirmado esta certeza da mudança que pode acontecer em cada um de nós se o permitirmos, já que, pegando nas palavras de Etty, ‘“trabalhar a própria personalidade” não é certamente um individualismo doentio’. Na minha vida vou constatando que também eu posso controlá-la, dar-lhe um rumo. Ou me embrulho na tristeza, ou diante da adversidade, abraço o céu que há em mim. Sim, recorrendo às tuas palavras, m.m., pode ser idílico, mas não é isso que faz mover o mundo para a paz, mesmo que seja um milímetro? Já o disse, reconheço a minha utopia de pensamento. Devo achar que vivo noutro lugar, como que inexistente, mas ainda assim, também a mim o que me move é esta certeza de ser amado e poder contribuir para uma mudança e assim, deixo que a seriedade da vida seja falada pela simplicidade, e com naturalidade, do que vivo, saindo portanto, de mim. Mesmo na fragilidade deixo-me ser nesta certeza de mudança. Claro que há o risco do não pensamento e o perigo de pouca reflexão, concordando com o que dizes, m.m., sobre aquela frase inicial que escrevi no post. De facto, como afirmo, sem que seja qualquer novidade, as interpretações podem levar a muitos caminhos… Mas é na conversa, como aconteceu, que podemos seguir para bons rumos de entendimento, compreensão, respeito…

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  6. Paulo,

    O meu comentário é bastante simples: os diários de judeus da Segunda Guerra têm valor como documento jornalístico. De resto, a conversa humanista, vinda deles - e se há povo em que se pode falar no plural, como a História, a Filosofia, a Política mostram, é o povo judeu - soa-me a falso. Tanto mais falso me soa quanto mais os Judeus aproveitam o Holocausto para sugar dinheiro, o Amor deles, e como produto de higiene para os seus pecados.

    Agora, se não se importa, vou ali a cima ler o seu texto sobre o vestir, demasiado bonito para que se perca tempo com isto.

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