quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Ontem vi Humildes e soberbos


Ontem liguei a televisão ao acaso e dei com um filme sobre a vida de Madre Teresa de Calcutá, que acabou por volta da 1h da manhã. Um belo filme, centrado nela, na sua maneira desconcertante de olhar as coisas, de enfrentar os problemas, de usar a suavidade de gestos e palavras com a força de um vulcão. Um filme sem exibicionismos, a deixar espaço a que cada um tirasse as suas conclusões.
Gosto daquela maneira humilde como Madre Teresa abordava a fé, como um dilema que não a tolhia, antes a empurrava para a frente. Não sei se a religião foi para ela um pretexto para se impor, um argumento para desviar as atenções da sua vontade de ferro e, invocando o Altíssimo e o Amor de Deus, levar aos homens uma mensagem profundamente humana, que os mais pobres, os que não sabem ler nem nunca tiveram coisa nenhuma, apreendiam sem ser preciso explicar. Para ela, a religião foi uma forma de comunicar, de chegar aos outros, não uma obrigação moral nem um exercício de arrogância.
Há um diálogo fantástico entre ela e um pobre velho moribundo, deitado no chão da rua, a gemer na sua solidão enquanto a multidão se desviava dele com a indiferença de quem contorna um obstáculo de pouca monta. Ela verga-se até ele, com um silêncio respeitoso, para o fazer beber um pouco de água. Ele entreabre os olhos e pergunta-lhe se ela procura alguém. Responde: “Procuro o meu Senhor. Preciso d’Ele e Ele não me vê, não sei se o meu trabalho lhe agrada”. O farrapo humano faz um esforço para falar. “Os patrões sabem sempre reconhecer um bom serviçal. Se não lhes dizem nada mas os deixam continuar a servi-Lo, é porque confiam que podem tirar dele ainda mais trabalho e mais esforço. O silêncio do teu Senhor não é reprovação, mas estímulo para fazeres melhor”. Do mais simples dos simples ela obteve a resposta.
Ontem vi o Padre João Seabra a fazer malabarismos dialécticos para explicar que Madre Teresa não tinha dúvidas nenhumas de Fé. E dava exemplos patetas para explicar o que agora se lê nas cartas publicadas, como se falasse com pobres estúpidos que não conseguiriam jamais atingir as alturas da Bondade indecifrável de Deus. Ela-não-disse-aquilo-que-alguns-podem-pensar-que-ela-disse-apesar-de-ter-dito-mas-eu-sei-o-que-ela-quis-dizer.
Há pessoas que deviam ter visto aquele filme. Ou então ficar caladas.

*A imagem foi tirada do blog http://www.danielserrao.com e tem o título "Madre Teresa a ajudar o Papa num gesto carinhoso"

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