quinta-feira, 24 de março de 2022

Perdas gestacionais


Teresa e Dado | Arte Magna


[Secção conversas soltas, com a devida licença para partilhar]

- É tão difícil falar disto. 

- Tome o seu tempo. 

[Silêncio]

- As pessoas acham que é simples. [Silêncio] Mas dói muito, depois do físico, na alma. [Silêncio] Vivi dois abortos. Dois meses e três meses. Depois de muitas expectativas, conseguimos engravidar. Há algo de profundo que acontece. É uma felicidade que não se explica.  Sentia-me cheia de vida. Depois, uma dor horrível. É horrível. [Emociona-se.] Queremos guardar segredos, mas é difícil quando a notícia é tão boa. E quando se conta a outra notícia, ouvimos: “era o que tinha de ser”, “dá graças a Deus, talvez não fosse perfeitinho e encarregou-se de o levar”, “vocês são novos, já conseguem outro”, “menos mal que já têm um”, “há quem esteja pior”. P. Paulo, desculpe-me, mas as pessoas são parvas, não são? Perdem a noção? E a minha dor?

[Levanto-me.] 

- Posso dar-lhe um abraço?

[Abraçamo-nos. Vem o choro profundo.] 

- Dói tanto! É um vazio horrível!

- É um luto. Não se pode desvalorizar.

- Foram duas vezes.

- Ainda mais. Que dores violentas, física e emocional. 

- E nós, mulheres, somos consideradas o sexo fraco. Fraco? Desculpe-me P. Paulo: f*da-se!

- Isso, deite a raiva e zanga cá para fora. 

- Não se ofenda, desculpe.

- Fico ofendido se continuar a pedir desculpa por estar a libertar essa dor. É mesmo para dizer um real F*DA-SE!

- Obrigado! [Emociona-se] 

- Há gritos que têm de ser dados. É a perda de dois filhos. 

- E há tanta incompreensão nestas dores. 

- Que têm de ser acolhidas. Quem não sabe o que dizer, mais vale ficar calado. Todas as dores de alma têm de ser respeitadas e acolhidas, para poderem ser aliviadas e integradas. 

- Talvez possa ser estúpido, mas posso pedir-lhe para celebrar missa por eles?

- Não é estupidez nenhuma. Faz-lhe sentido?

- Muito. 

- E se for com as pessoas que para vocês, família, são próximas? 

- Agradeço-lhe de coração. 


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