quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Força da palavra



[Secção memórias com pensamentos soltos] Há tempos, no caminho de conhecimento de mim, de curas de memórias, aflorou-me uma do início da adolescência. A entrar na escola, cumprimentam-me: “Bom dia, saciram!” Com risos de seguida. Não percebi porque me chamavam aquilo. E ao longo do dia, mais vezes veio o saciram sempre com risos de gozo. Lembro-me do incómodo sentido. Ao final do dia, depois de insistência minha, em mais humilhação, perguntei porque me chamavam aquilo. “Ainda mais és atrasado! Saciram é maricas ao contrário. És maricas de todos os lados!” Senti-me profundamente mal. 


Partilho isto por dar-me conta de que “mariquinhas” foi usado por quem se candidata a governar 10 milhões de pessoas com diversas características. Diz-se que a política muitas vezes é teatro entre eles e que não se deve levar a sério. Se isto é assim, preocupa-me. Porque governar pessoas não é nem teatro, nem gozo, mas responsabilidade por vidas. Por isso, é preciso tomar consciência de que a linguagem usada tem carácter simbólico e afecta mais do que se imagina, por, e é sério, legitimar ora o positivo ora o negativo. Não me parece tratar-se questão de sensibilidade, mas de maturidade, ainda mais expectável de um candidato. A polarização que existe, levando a hostilidades gritantes, não é caminho de humanização. Podem haver perspectivas diferentes de governação, mas tudo o que é insulto, rebaixamento do outro na sua dignidade, é inadmissível em quem pretende ser líder. Infelizmente, honra e sentido de liderança, não para poder e usufruto pessoal mas responsabilidade social, é coisa deficitária nos últimos tempos. Fazer-se uma reflexão séria sobre liderança e sentido de governo, em especial depois dos efeitos psico-sociais desta pandemia, é urgente e necessária. 


Quem pode fazer caminho de cura, libertação interior, perdão e reconciliação, como tenho vindo a fazer, consegue impedir mais violência. Infelizmente, há muitas pessoas que não conseguem. Por isso, quem governa, ou pretende governar, tem de ter maturidade para contribuir a que os mais fracos e desprotegidos sejam apoiados e integrados, de modo a se sentirem profundamente bem numa sociedade mais livre e humana.

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