segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Homossexualidade e fé



[Secção pensamentos soltos sobre homossexualidade e fé] Acompanho pessoas que sentem liberdade em partilhar a sua orientação homossexual, onde a importância da fé é fundamental. Querem ir mais longe do “Deus ama-te como és!” Diz-me uma ou outra: “com muito respeito, é preciso mais.” Se por um lado há o extremismo que fala de “curas” (propositadamente entre aspas), por outro, há mais em jogo quando se trata da fé. Afinal, esta é caminho de mistério, a desbravar desde a condição que cada pessoa vive e a descobrir no imenso para além de nós. Para mim, é evidente a importância de aprofundar a reflexão. 


Dou um exemplo, com a devida autorização, do que escutei numa conversa:

“A olhar a minha história com Deus fui dar a um pequeno caderno. Devia ter uns 13, 14 anos. Recordo ser apedrejado algumas vezes. Um grupo de amigas já me esperava à entrada da escola para irem comigo. Recordo também o baixarem-me as calças no refeitório. Os risos e o “faz-te homem!” É duro. Escrevi: ‘Deus, peço-te, torna-me invisível. Faz-me desaparecer.’”


A minha fé fala do Deus que se fez visível em carne. São muitas as pessoas que, precisamente devido a propostas desumanas de fé, desejam a invisibilidade. Infelizmente, há quem não aguente mesmo e desaparece. Há algumas a matar deus das suas vidas. E compreendo, com muita dor. Outras, matam esse deus e abrem-se ao Deus encarnado que as desafia a ser ainda mais luz, com desejos de pertença à Igreja, a colaborar em distintas missões, sem que tenham de anular a sua afectividade. E, não, não é laxismo da minha parte, ou ser “padre fixe e cool” em que tudo vale. É ir tendo cada vez mais consciência da complexidade do ser humano, também a partir da escuta das alegrias e esperanças, angústias e tristezas de quem (apesar de não ter escolhido ser como é e nalguns casos ter até sido rejeitado em nome de deus) escolhe continuar a descobrir e a seguir o Deus visível que a todos quer salvar e chama a humanizar este mundo. E que haja séria reflexão sobre temas complexos, sobretudo para que mais ninguém sinta necessidade de desaparecer pela sua condição existencial.


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