quinta-feira, 26 de março de 2020

Tempo de amar




[Secção pensamentos soltos no 8.º dia de Emergência Nacional]

Eram 17h26. O sol batia-me na cara. Fechei os olhos e fiquei em breves segundos a saborear o calor primaveril. Nesses instantes o tempo parou, ou as perguntas que me assolam o coração pararam e deixei-me estar a deleitar o sol. Que estranho é o tempo das coisas. Ou a estranheza de nós mesmos. Isto de pensamento cultural é mesmo vasto. Para uns a desgraça. Para outros a graça. Ainda há alguns no sufoco do absoluto do tudo ou do nada. Vem a colaboração. Vem o escárnio. Vêm os julgamentos e acusações. Vem a verdade dos acontecimentos. Vem a mentira política. Vêm os silêncios e as gargalhadas. 

Todos somos atravessados pela sombra. Não a vou moralizar, apenas constatar a existência. É extremamente fácil apontar dedos. Até com razão de ser. No entanto, o mais difícil, também pela exigência, é tomar consciência da sombra própria, percebendo se esse apontar de dedos resulta de factos ou de idealizações. As crises são alturas muito propícias para despertar a sombra individual e colectiva. Esta pandemia mostra-nos, apesar de tudo nada de novo, que todos somos igualmente frágeis e susceptíveis. Por isso, aprender a conhecer as emoções próprias e perceber onde reside o exagero é caminho para saber por onde a sombra entra. Não nos enganemos, se não se está consciente, o desespero vai começar a despontar. Por isso, se antes não deveria ser, muito menos agora: há que estar muito atento aos julgamentos demasiado rápidos, tanto de si próprio, como dos outros.

Repito, não se pode moralizar a sombra, pois quando temos consciência da sua existência e a vamos trabalhando, ela torna-se uma aliada de humanização e de amor. Aquilo que não se gosta em si próprio, pode-se perceber de onde vem e ao curar a ferida torna-se porta de compreensão. Pode surgir a pergunta: será o tempo propício? É sempre tempo para amar. Isso não significa que seja de um dia para o outro, apenas há que continuar ou, de uma vez por todas, começar. 


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