quinta-feira, 19 de março de 2020

Primeiro dia de Emergência Nacional



[Secção pensamentos soltos no primeiro dia de emergência nacional] Acordei como em cada dia. Quando abri a janela, o silêncio era outro. Em cada dia de abertura de janela os silêncios têm sido outros. O de hoje foi mesmo diferente. Fiquei um pouco parado a contemplar o horizonte, senti a força do significado de algo novo. Falou-se de guerra. Fala-se de guerra. O inimigo é invisível. Não há bombas aqui e ali. Há agitação nos hospitais e no coração de milhares de pessoas. Rezei um pouco, também a preparar a Missa de S. José. A emergência nacional começou em dia de S. José. Emocionei-me enquanto rezava. Não por medo ou tristeza, mas pelo imenso, real e simbólico, que estamos a viver. Atrevo-me a dizer que é um grande parto. Memes, piadas, em vídeos ou fotos, surgem para desanuviar e bem. Seja como for, estamos a viver tempo novo: pessoal e global. 

Tocou-me a mim presidir. Fui buscar uma casula mais forte. Queria sentir nos ombros o bom peso do povo por quem rezo. Cada pessoa de A a Z, com especial destaque por todos os Pais, pelos sem-abrigo, pelos refugiados, pelos doentes e familiares, por todos os profissionais da “linha da frente” e por todos os governantes. Este tempo novo apela-nos à descoberta de maior interioridade, de perceber o quanto estamos ligados para lá de qualquer diferença, de reconhecer a força da união na fragilidade, porque todos somos humanos. Também na escuta das sombras, pessoais e colectivas (vou deixar este importante tema para outro texto). A leituras, as mesmas de cada celebração de S. José, ganharam nova luz.

S. Paulo diz-nos que “Esperando contra toda a esperança, Abraão acreditou”. S. Mateus diz-nos que José, apesar de toda a brutal estranheza do que estava a viver, confiou. Em dias que o desespero possa despontar, há que continuar a abrir a esperança. Em dias em que o cansaço anímico, psicológico, possa aumentar, buscar a fé da riqueza e do sentido de quem se é. 

O silêncio é outro. Também cada pessoa está a tornar-se outra. Que nesta luta, neste combate, neste confronto, apesar de tudo ainda muito difuso, vá despontando, ao jeito de paternidade e maternidade, a beleza do essencial: sermos uns para os outros nas muitas dimensões do Amor. 


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