domingo, 8 de dezembro de 2019

"Onde estás?"




[Secção pensamentos soltos] “Onde estás?” Volta-me a ressoar a pergunta divina no livro do Génesis. Estes tempos, um pouco pelo mundo, em particular por Portugal, têm revelado cansaço. Não sou propriamente pessimista, tampouco um alienado que pode colocar tudo num maravilhamento irreal. Se por um lado agradeço todas as possibilidades humanas que levam ao melhor conforto de vida, por outro, dou-me conta do cansaço humano a crescer. Há cansaço de vida, na busca de sentido e isso brota, por exemplo, do cansaço nos professores, nos médicos, nos enfermeiros, nos polícias, em todos os que são sujeitos a decisões de gabinetes sem conhecer o terreno onde há embates com a fragilidade da realidade. 

Ao dar-se o afastamento do ser humano de Deus em nome da emancipação, no desejo de assumir o papel divino simbolicamente representado no fruto comido, a nudez, que antes era sinal de liberdade, torna-se vergonha. “Onde estás?” A pergunta recorda que Deus não se cansa de buscar. De buscar-nos, a cada um de nós, independentemente de qualquer cansaço. É o resgate da salvação, que na sua raíz etimológica implica sanação plena de todas as dimensões. É a pergunta que abre espaço à grande travessia que o ser humano, cada um de nós, tem de fazer para encontrar-se e encontrar o outro com respeito pela colaboração a acontecer. Paradoxalmente, o caminho é o do despojamento, do regresso à nudez como libertação de todas as ideologias, políticas, sociais e religiosas, que impedem o encontro e o respeito pelo outro. Essa travessia é dura e exigente, sendo explicada, explicitada, revelada em muitos mitos como o da expulsão do paraíso. Não é um castigo, mas uma necessidade para tomar consciência da quantidade de grilhões que nos impedem a divindade. A expulsão é com desejo de regresso.


“Onde estás?” Estamos em tempos de sair de preconceitos religiosos e dar resposta a Deus: “aqui estou, como sou. Apesar do medo, da revolta, do cansaço, de querer ainda assim controlar tudo, aqui estou, como sou.” É tempo de abandono. Por outras palavras, de fé e de esperança. Sendo a resposta individual, a autenticidade do que for dito, terá sempre efeitos para os outros. Do melhor ao pior. Espero sempre pelo melhor: o Amor.

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