segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Lugar na fotografia da humanidade




[Secção memórias levando a pensamentos soltos] Hoje de manhã dei uma pequena entrevista como contributo a um trabalho de mestrado sobre fotografia. Daqui a uns tempos poderei revelar mais, mas, durante a conversa, a propósito das emoções que as fotografias podem evocar, lembrei-me desta. É a fotografia da turma do 8.º E, 1992/93. Desperta muitas recordações. Detenho-me na que veio no seguimento da conversa: eu estou na fotografia, mas escondido. Propositadamente escondido. Recordo perfeitamente a sensação e o pensamento de não querer aparecer por medo a ser gozado. “Se não me vêem, não me chateiam, nem gozam.” E assim ficou registado outro tipo de silêncio: o da vergonha. Hoje não me dói ao recordar esses tempos. Usando a expressão de Enzo Bianchi, sinto a memória curada. No entanto, dói-me pensar que ainda há tantas crianças e tantos adolescentes e adultos que se escondem por vergonha, por medo, por não quererem ser gozados, por não serem aceites nas suas diferenças, físicas, culturais, sociais, religiosas, económicas, sexuais, emocionais. O problema não é da vítima, mas de quem agride, de quem anula o outro. Quem agride tem muita falta de amor-próprio, pois quem está bem consigo mesmo não necessita de afirmação, muito menos de anular o outro. A vítima necessita de muito apoio e acolhimento, em tempo e espaço onde possa falar, expressar, libertar-se de tanto sufoco. Afinal, muitas das vezes é a vítima que tem de mudar todo o seu estilo de vida, já que o agressor, cheio de aparente valor, lábia e capacidade refinada de fazer mal, consegue “sair por cima”. Em geral, por provocar ainda mais medo a quem o rodeia. Atenção, agressor pode ser uma pessoa ou uma entidade institucional. Lamento que nalgumas situações haja disparidade de critérios também em relação às vítimas, conforme a ideologia ou crença. Fazer mal ou bem a outro não tem nem credo, nem cor política, apenas depende do caminho de liberdade, de cura e de amor-próprio que cada pessoa vive. A coerência de valores residirá sempre no respeito pelo outro, enquanto pessoa que é, mesmo não se concordando com o modo de pensar ou ser. A coerência de valores humanos impedirá qualquer agressão à dignidade do outro. Reconheço tanto a complexidade de tudo isto, como a possibilidade que cada um de nós tem de promover a vida e a compaixão, implicando-nos e contribuindo com a nossa parte para que todos sintamos que temos lugar na fotografia da humanidade. 

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