- P. Paulo, das coisas mais difíceis que tenho vivido é descobrir-me. Sempre me ensinaram o recato e que uma mulher que fala demasiado com muita gente é galdéria e oferecida. Sinto-me presa, sempre com medo.⠀
- Pode pôr-se de pé, se faz favor? Braços ao longo do corpo. Respiração normal, intercalando com inspiração/expiração profundas. Não está naquele tempo, mas aqui e agora. Dá-me licença que a envolva com um véu?⠀
- Sim.⠀
- Vou apertá-lo aos poucos. Imagine que são as palavras “galdéria” e “oferecida” a envolver. [Começa a emocionar-se.] Que dizem os braços e as mãos? Permitem que a envolvem? ⠀
- Mas posso rasgar?⠀
- Rasgue. Isso, permita-se libertar com a sua força. Liberte-se dessas palavras-fantasmas.⠀
- Mas não sou digna!⠀
- Vou apertar mais e, simbolicamente, é a indignidade a envolver.⠀
[Contorce-se, muito emocionada. Dá um grito de raiva acumulada, rasga o tecido e pára, agora em lágrimas de liberdade.]⠀
- Respire com calma. Estou aqui. ⠀
[Passam uns minutos]⠀
- P. Paulo, quantos véus nos envolvem? Muitos não é? Sinto-me estranhamente solta. É algo novo.⠀
- Pois, não duvidando que tenha sido com os melhores desejos, muito nos é dito e ouvimos desde pequenos: regras, modos de estar, até de ser, categorias, como proceder. Mas, crescer significa também perceber o ajustado na profunda liberdade. ⠀
- Tenho ainda algum caminho pela frente.⠀
- Sim, mas antes de o olhar, veja que já começou a rasgar. É tempo de agradecer esse passo...⠀
- ...da minha liberdade e dignidade.