Francisco Oliveira Sá
[Secção pensamentos soltos em manhã de Sábado Santo] Ao longo dos últimos anos tenho vindo a ganhar mais respeito a este dia. É certo que sabemos o final da história: a ressurreição. No entanto, tudo pode tornar-se demasiado artificial se apenas se celebra ou vive como cumprimento litúrgico. Este dia é igualmente demasiado forte: fala-nos do vazio, do sem-chão, do luto. Mistura-se a desilusão, a ingratidão, onde possivelmente pode ter despontado a raiva e ódio nos próprios discípulos: “porque o segui?”; “de nada serviu deixar tudo”; “ele enganou-me”. Também as memórias dos olhares, dos gestos, das palavras com autoridade de quem sempre quis a vida do outro. Se os outros dia têm símbolos como o lava-pés ou a cruz, este nada tem a não ser o silêncio entre desespero e esperança de algo novo. É um dia mais que racional, emocional. Daí ser preciso estar atento aos “sábados santos” da vida. Facilmente se pode cair na resignação. Encolhem-se os ombros e anulando-se mais pouco o ser segue a vidinha. Contudo, a esperança da fé convida-nos a integrar os acontecimentos por mais duros que sejam. Não é fácil, roçando o quase impossível por vezes. Nos textos evangélicos, em dois vemos o despontar do que significa esta confusão de sentir. Em S. Lucas, os discípulos de Emaús regressam desesperados. Em S. João, Maria Madalena, chora o desespero. Em ambos, o ressuscitado aparece sem que o reconheçam imediatamente. Pede-lhes para recontarem os acontecimentos. Hoje é o dia de luto. Com o ressuscitado, mesmo que não o sintamos. Sábado Santo: convite a enfrentar o sentir diante da brutalidade dos acontecimentos. Teologicamente falando, Jesus atravessa a “mansão dos mortos”, integrando em si a Vida.
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