sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Cadernos e deserto




Casey French

Encontrei dois cadernos daqueles onde vou escrevendo os pensamentos. O mais antigo tem mais de 10 anos. Não resisti a folhear. Surgiram muitas memórias. Tanto que já passei desde aí. Houve momentos em que escrevia mais, outros apenas uma palavra, com saltos de meses sem registar o que fosse. Desperta a recordação: o silêncio aconteceu em aparente deserto interior. Na altura, sentia-o, como se nada houvesse em mim, tanto de fé, como de emoções. Com esta distância, apercebo-me do engano. Afinal, houve muita agitação de busca da identidade e da vocação. Ser padre ainda era algo tão longínquo, parecendo quase impossível de vir a acontecer. Na altura, marcou-me a passagem do profeta Oseias: “vou levar-te ao deserto para falar-te ao coração”. No aparente deserto, o silêncio permitia os gritos de entranhas, libertando perguntas que me fustigavam o ser. Apesar do misto de vergonha, medo e pudor, fui libertando as amarras da pseudo-deferência diante de Deus. Os desertos, em geral, são metáforas de morte. Com Deus, são travessias de Vida. Vou continuar a folheá-los e, em oração da noite, agradecer o muito vivido.

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