quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Blusão e memórias




[Secção memórias] Encontrei o meu blusão da Levi’s numa gaveta. Quantas vezes ouvi “vou deitar isso fora”, “tem algum jeito andares com isso tudo rasgado?”, mesmo que explicasse que gostava muito dele. Nem era por questão de moda. Gostava do blusão e quanto mais rasgado, mais gostava. Encontrei o meu blusão da Levi’s. Vesti-o e ri-me com as memórias que logo surgiram. O tempo passa e impressiona-me sempre a quantidade de pessoas que conheci e do que já vivi. Quando o vestia, nem sonhava as voltas que a vida daria. Voltas exteriores, entre céu e terra, e interiores, entre profundidade na busca de mim e de Deus. As memórias têm o seu quê de curioso, remetendo ao que se gosta, saboreando, e ao que não se gosta. Quando não se gosta, seja do rasgado ou desbotado da vida, a tentação é apagar, eliminar, anular, como se nunca tivesse acontecido. No entanto, a história não se pode apagar. O desafio, na linha de pensamento do teólogo Enzo Bianchi, é o de curar a memória, implicando visitar os acontecimentos e contá-los… num primeiro momento, sobretudo sobre o que não se gosta ou se envergonha, muito provavelmente a partir da reacção, depois, aos poucos, como facto que marcou e ficou, já não magoando. Às vezes passam-se anos, desde que se vestiu um casaco da Levi’s até ao reencontro. No entanto, seja qual for o tempo já passado, há sempre a possibilidade de começar a contar a história com nova perspectiva. Ainda estou a rir com as memórias, muitas delas curadas. 

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