sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Homilia da Missa da Noite de Natal




Isabelle Bacher


Presidi pela primeira vez à Missa da Noite, a celebrar o Nascer de Deus. É a Noite em que levo nomes para o altar. Nomes de tanta gente com quem me cruzei e cruzo no caminho. Este ano acompanha-me o silêncio deste mistério. Pedi que apagassem todas as luzes da Igreja e, à luz de uma vela, “escrevi” uma carta ao Menino Deus. Partilho aqui a minha homilia. Que o Menino Deus continue a nascer nos nossos corações. Santo Natal.


Deus Menino, sussurro-te esta carta de noite, neste silêncio embalado pela luz de uma vela, recordando a estrela guia até ti. Acabas de nascer. Surge a força dos reflexos para despertar o corpo tão nosso. Descobres o movimento fora do ventre que te protegeu durante a formação de cada orgão, de cada membro, de cada choque. A pele sente os panos lavados com perfume novo, tocas a tua mãe que te acarinha desde o momento que a palavra se fez carne em ti. 

Sem te aperceberes, és mistério. Sem te aperceberes, a tua fragilidade amplia todos os que vivem a fragilidade, tanto de corpo, como de alma. Sem te aperceberes, és sinal de toda a transformação. Tu, nessa pequenez de recém-nascido, tornas concreto todo o amor de Deus. Já não é uma abstracção, é rosto que se forma e falará de tu a tu. Nos dias de hoje já sabemos que crescerás a observar o mundo que te rodeará, ouvirás as palavras de afecto, os gritos de dor, as orações de desespero e de agradecimento. Crescerás a revelar o teu Pai de forma renovada. Em cada passo teu haverá nascimento de paz, de compaixão, de misericórdia. Sentirás, tu mesmo, as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias do povo que já não é isolado daqui ou dali, mas se expandirá em cada coração humano. Sim, essa humanidade de que te fazes participante, para que cada um de nós faça parte da força da tua divindade. Sem te aperceberes, és misterio que recorda a plenitude da imagem e semelhança de Deus em cada coração humano, neste mundo concreto, neste aqui e neste agora. 

Neste sussurro, quero embalar-te com nomes. Os nomes de cada pessoa que compõe esta comunidade que aqui celebra a beleza e o mistério do teu nascimento. Nomes de todos os que trazemos no coração, que traduzem histórias, com muitos sentimentos, com perguntas e gritos atravessados de incompreensão e saudade, junto com lágrimas ou sorrisos de afecto, alegria e vida. Nesta noite somos nós os pastores, com os nossos medos. Medos impelidos a serem dissipados na alegria deste acontecimento, que traz luz a cada recanto humano para que todas as trevas sejam eliminadas e as sombras da morte sejam transformadas em vida. 

Nesta noite em que nasces, ainda que não tenhas consciência, a tua liberdade rebentará as correntes da injustiça. Os primeiros a te contemplarem são os rejeitados da sociedade. Eu mesmo rejeitei e rejeito tantos. Jesus, Yeshua, serás ouvido, compreendido, amado por muitos. Serás, tu mesmo, rejeitado, criticado, atacado, por outros tantos. És mistério. És fonte de vida, sim, nessa fragilidade de Menino que está pronto a crescer, alimentado de leite, de pão e mel, dando espaço à doçura e carinho por todo o que sofre, por todo o que é último. O teu nascer ilumina a esperança de quem foge da guerra, da opressão, da violência física e psicológica. A tua pequenez incomoda quem quer ser grande de poder e de orgulho. 

Oh, Jesus, Yeshua, neste silêncio habitado também pela nossa fé, muita ou pouca, débil ou forte, fazes com que o amor ganhe novo sentido. Assim, tu, Deus encarnado em Menino, transformas toda a nossa pele humana em traço divino. Olhando para ti, olho para as minhas mãos, para a minha pele, e vejo novas marcas. Não só Deus assume humanidade pela carne, como cada um de nós, aqui presente, cada ser humano, nesta mesma carne que somos, nos moldamos em Deus. Que responsabilidade nos dás, Jesus, Yeshua, sem que te apercebas agora como Menino recém-nascido. A partir deste teu nascer, a humanidade começa a transformar-se, sendo plena no dia em que te entregarás, te despojarás por cada um de nós, sem excepção, e ressuscitarás. 

Assim, se te deixamos nascer no nosso coração, tudo fica diferente. As nossas palavras, as nossas orações, os nossos gestos, ganharão a força da Tua vida, da Vida de Deus. Jesus, Yeshua, no mistério que és, ajuda-nos sempre a recordar, a viver, o mistério que somos em ti, para vivermos, sem medo, a alegria da misericórdia. Ajuda-nos a viver a autenticidade da nossa fragilidade e da nossa força, a perdermos a vergonha de te entregarmos tudo o que nos afasta do amor por nós mesmos e pelo próximo. 

Deus Menino, sussurro-te esta carta de noite, neste silêncio embalado pela luz de uma vela, recordando a estrela que nos guia até ti. Acabas de nascer… no coração de todos os que amam. Amén.

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