sexta-feira, 3 de abril de 2015

A Paixão no mundo



Adem Altan/AFP/Getty Images


[Secção desabafos, em noite de 6.ª feira santa] Estes dias são muito intensos, já se sabe. O relato da Paixão é minucioso, descrevendo quase cada minuto daquelas 24 horas. Desde há uns anos, que na noite de 5.ª feira santa, quando rezo a Hora, peço a graça que St. Inácio nos convida pedir nos Exercícios Espirituais na contemplação da Paixão: “dor com Cristo doloroso, quebranto com Cristo quebrantado, lágrimas, pena interna de tanta pena que Cristo passou por mim.” E esta graça vai entrando nas entranhas. Desde que proclamo o relato da Paixão, fosse como diácono ou agora como padre, parece que as palavras agigantam-se ganhando a forma dos acontecimentos à minha frente. Comovo-me. Que Deus este… que se apaga desta forma por amor. Há pouco na adoração da cruz começou por me envolver um grande silêncio, depois, sem me dar conta, surgiram-me no pensamento as Paixões que o mundo passou e passa: as 147 pessoas assassinadas no Quénia; as milhares assassinadas na Nigéria às mão de Boko Haram; as 150 no avião; os 21 cristãos coptas decapitados junto com todos os outros mortos às mãos do auto-proclamado Estado Islâmico; as 20 pessoas mortas no atentado em Tunis; as outras 20 nos atentados aqui em Paris; os milhares de desalojados das suas casas e terras por motivos de fé, por serem cristãos ou que mesmo professando a fé islâmica não se revêm no fundamentalismo; todas as vítimas das muitas guerras que assolam o mundo, em especial nos países africanos; as muitas vítimas, mulheres e homens, de violência doméstica; a imensidão de pessoas, crianças incluidas, exploradas, muitas delas escravizadas, nos seus trabalhos; o assustador número de milhares de mulheres vítimas de escravidão sexual também em muitos países europeus; os milhares, dos quais os de Lampedusa, que perdem a vida a atravessar o Mediterrâneo em busca de algo melhor; as muitas vítimas de xenofobia e homofobia; a quantidade de doentes que sofrem e morrem em sistemas de saúde que olham mais à economia que à humanidade; a enormidade de gente vítima da injustiça política e social. Pois, a Paixão continua bem viva… é verdade que aponta à Ressurreição, mas, nesta noite que se faça silêncio e se sinta dor pela dor por esse mundo fora, chorando com aqueles que choram. Nesta noite peço a graça de saber morrer para tudo o que me afasta da misericórdia e do sentido da humanidade. Nesta noite rezo por todos aqueles e aquelas que de algum modo vivem a Paixão nas suas vidas.

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