sábado, 10 de janeiro de 2015

Sobre o mal...



Van Gogh

Eu já desejei a morte de alguém. Não me orgulho disso, não tenho qualquer satisfação por ter vivido esse desejo, nem nenhuma vontade que surja novamente. A recordação deu-se hoje de manhã, enquanto rezava tendo em mente tudo o que se passou aqui em Paris e, um pouco mais longe, na Nigéria. Depois expandiu-se em pormenores nesse tempo da minha vida. Conto um episódio. Estava na despensa de casa, ia buscar algo e ouvi a minha mãe comentar com uma vizinha que eu estava a crescer. Notava-se pelos sapatos. Apertavam-me. Na altura não era tempo de comprar muitos sapatos, mesmo se o crescimento era rápido. A minha mãe chegou a ficar 5 meses sem receber o ordenado. Era, como em muitos sítios infelizmente continua a ser, coisa normal: atraso no pagamento do ordenado. Voltando aos sapatos, a sugestão: fazer um corte à frente e assim duravam mais tempo. Por mim, sem problema. Dia de escola. Naquela altura era tímido, introvertido. Ora, sapatos cortados levaram ao gozo, muito gozo, em risos sarcásticos, a apontarem, com empurrões: “anda na moda!” “O panasca agora dá ar aos pés!” “Até sai cheirinho!” Gozo, muito gozo, risos sarcásticos. Este tipo de situações, como já por cá comentei, duraram anos. Sim, recordo o pensamento em desejar a morte dessas pessoas: “Que desapareçam da minha vida!” Estava tão cansado. Nessa mistura de sentimentos, o medo aprisionava-me e ajudava o ódio a crescer. Apesar de tudo, por muitos factores, não me deixei vencer por eles. Porque conto isto? Por tanto…, sobretudo por não ser nem político, nem governante de uma nação: como tal não irei tomar decisões ou medidas de fundo contra o terrorismo. Mas posso estar vigilante e preparar-me para não permitir que, p. ex., o ódio tome conta do meu ser e passe a controlar-me. É isso, estar atento, reconhecendo, como partilhei, que em mim também existe o combate entre o bem e o mal. Sim, irei amanhã à manifestação aqui em Paris contra o terrorismo. Continuarei a fazer o que posso ao nível social para mostrar a minha repugnância contra o fanatismo e extremismo seja de que espécie for. No entanto, para que isto tenha pleno sentido, vou fazer os possíveis para estar consciente do mal que também há em mim, para combatê-lo como posso, com ajuda de Deus e de outras pessoas, no tempo e na medida certos, impedindo que afecte seja quem for. Agradecido por ser livre, sem esquecer a história, calço os sapatos e continuo o caminho da conversão.


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