"Quando Sócrates ganhou o partido, em 2004, concedeu uma entrevista "histórica" ao Expresso - da qual se arrependeu discretamente depois, a tal do "animal feroz" - que revelava o homem e o político. Afinal, uma e a mesma coisa já que, numa criatura tão pouco densa como Sócrates - e cuja "biografia" se resume ao charivari partidário - não existe distinção possível. Nela, o admirável dirigente, a propósito de tudo e do seu nada, a cada resposta juntava uma citação. "Como dizia", "como escrevia", "como pensava" fulano de tal e depois seguia-se a resposta. Isto é típico de quem nunca leu um livro de fio a pavio na vida. Para abreviar, Sócrates foi vulgar apesar de se pretender sofisticado. Esta primeira má impressão, afinal, nunca "descolou" verdadeiramente do político que hoje completa quatro anos de mando absoluto. Um homem que anestesiou o seu partido e que embruteceu o país com a mais devastadora propaganda fantasista destes trinta e tal anos de regime. Começou por passar por "reformista" e isso valeu-lhe a vassalagem de muita gente dita de direita que viu no exercício uma manifestação daquela autoridade de ginásio que faz as delícias dessa direita mal resolvida e oportunista. Depois veio a "determinação" lá onde só havia teimosia oca e, pormenor não negligenciável, poder. Poder esse que foi transmitido aos mandarins do partido e a alguns "companheiros de estrada" espalhados estrategicamente por todo o lado: administração pública, "sociedade civil", jornais, televisões e blogues. Não lhe faltam, graças a Deus, caniches ou mastins ancorados em dois ou três ademanes de "esquerda" com que ornamentou a legislatura. Feitas as contas, estes quatro anos correspondem a uma genial mistificação que culmina nesse insulto à inteligência cívica (em morte cerebral) que é o slogan "Sócrates 2009", uma tentativa pífia (adeaquada a desbiografado) do remake de "Cavaco1991". O país que não cabe na mistificação está mais pobre, mais desiludido, mais desesperado, mais injusto e mais medroso. A nação arrisca-se a ficar sem crédito externo. A "batalha da qualificação" ficou-se pelo "Magalhães" e pela demagogia analfabeta mais rasca que destruiu o sentido de escola graças às guerras de "alecrim e manjerona" em que se meteu. Mesmo assim, o homem pede nova maioria absoluta - desta vez citando-se a si próprio - em nome da "crise" da qual se apropriou e na qual se afogará em devido tempo."
João Gonçalves, in 'Portugal dos Pequeninos'
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