quinta-feira, 2 de outubro de 2008

(…) Galileu deduziu que era um erro associar a imutabilidade à perfeição: o que é corruptível não é, apesar disso, imperfeito.

Para o pai da lei da queda dos corpos, a causa desta amálgama metafísica estava perfeitamente designada: ‘ aqueles que exaltam a incorruptibilidade, a imutabilidade, creio que o fazem devido ao seu grande desejo de sobreviverem durante muito tempo, e do medo que têm da morte. […] E não há dúvida de que a Terra é bem mais perfeita, sendo, como é, mutável, variável, do que se fosse uma massa de pedra, mesmo que um diamante muito duro e impassivel.’ A morte seria outra vestimenta do tempo, a mais discreta, mas também a mais enganosa de todas? A sua última roupa interior, em certo sentido?

A questão coloca-se porque o tempo parece ser simultaneamente o que faz perdurar as coisas e o que faz com que nada permaneça definitivamente: nós perduramos, perduramos, e depois um dia deixamos de perdurar. Toda a morte reenvia assim para o fenómeno do fim (algo termina), mas também para o fim do fenómeno (não se sabe o que acontece depois), conjugando o nada e o desconhecido. Daí o seu infinito mistério, para retomar os termos habituais. Nós compreendemos a corrupção, a transformação, a dissolução, percebemos que algo pode subsistir quando as formas passam, mas a morte avança sobre tudo isso, que continua rebelde ao pensamento, à ciência, ao discurso. A Física, pelo que lhe diz respeito, parece nada poder dizer. Demasiado preocupada com as leis imutáveis e relações perenes, demasiado agarrada à neutralidade do tempo, ter-se-á esquecido da morte?
(…)
Mais vale limitarmo-nos a uma dietética do instante que passa, confiarmos no favor do momento, no kairos. Eu vou morrer. Seja! É, portanto, agora ou nunca o momeno de entrar na existência, de colonizar o efémero. A noite virá muito em breve. Estas horas, estes minutos, estes segundos são acontecimentos. Acontecimentos irrisórios? Admitamos que sim. Mas este ‘irrisório’ foi, é e será muito exactamente eu.

É preciso aprender a amar o irreversível.»

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