terça-feira, 9 de setembro de 2008

O falatório das "medidas"

Vivemos uma época em que proliferam as análises e as avaliações, em que se procura perceber a lógica e a raiz das coisas, as suas motivações, influências e origens profundas, tudo isto para que se “combatam as causas” e não os efeitos e não se tomem medidas inúteis ou injustas. Visto assim de repente, pareceria que ganhámos alguma exigência crítica, só avaliamos as medidas se conhecermos o seu fundamento. Queremos compreendê-las, em suma.
Isto é assim na educação das crianças, em que já não se impõe nem com tabefes nem com gritos mas explicando o que se pretende e porquê.
É assim na avaliação de desempenho dos trabalhadores, em que qualquer teoria básica diz que é preciso definir “em cascata” a estratégia, os objectivos e, finalmente, decidir quais as acções e as metas. Para mobilizar em torno dos objectivos e para não haver desculpas quando não se cumpre.
É assim na vida pessoal, em que se procura perceber porque é que se detesta o emprego antes de mudar de patrão, ou se faz psicoterapia quando se está deprimido antes de tomar pastilhas para dormir, ou se procura aconselhamento matrimonial antes de passar pelo notário a dizer que já acabou tudo.
Diz o ditado que quando não se sabe para onde se quer ir, qualquer vento é de feição, que é o mesmo que dizer que não se sabe a que porto vamos parar.
Numa época assim, dizia eu, em que o “porquê” das coisas é reconhecido como determinante para que se decida em consciência ou se faça a escolha certa, causa estupefacção que a vida política se centre agora na urgência de “medidas”. Não há tempo a perder com linhas de rumo, com grandes objectivos, nada disso, as medidas é que fazem falta, como se um ping pong de fazer assim ou assado é que torne interessante e útil a discussão.
Imaginemos então que se sumariam uns vagos princípios, só para cabeçalho, e se passa logo ao desfiar de medidas, muitas e minuciosas medidas, quantificadas e calendarizadas em vários power points para virem coloridas e alinhadinhas.
Não sei em que fase deste processo surgiria a crítica fatal de se estar a discutir medidas à la carte antes de se saber a estratégia que as ditou e que guiará a sua execução. Mas talvez nem surgisse. Parece que, em política, se dispensam as perguntas.

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