quarta-feira, 9 de abril de 2008

A Fome

João tinha uma obsessão, controlar o seu corpo. Já que as suas emoções não as conseguia controlar, tinha de conseguir controlar tudo o resto. O comprimento do seu cabelo, todo o seu aspecto físico e estético, o tamanho das unhas, a cor do seu cabelo, quando tinha e não tinha sexo. Tudo o que não era emocional tinha de ser controlado e mantido sobre uma regra auto imposta, regras rígidas e cumpridas com escrupuloso rigor. Esta obsessão pelo controlo do seu corpo fê-lo descobrir uma coisa nova.
João acordou um dia e disse: Hoje só como quando quiser, não meto nada ao estômago e vou testar se consigo passar um dia sem comer.
A manha correu bem, apenas pequenas dores de cabeça e umas breves dores de estômago e pensava: Sou livre, tão livre que até posso não comer. O dia foi passando e foi fazendo a sua vida. As dores iam aumentando, eram picadas fortes que vinham do estômago, uma dores incontroláveis, teve vómitos e fortes dores de cabeça.
A meio da tarde enrolou-se nele mesmo de dores, durante horas, vomitou o sofá, mas nunca meteu nada na boca, conseguiu dormir um pouco. Sentir o sofrimento e a dor fazia-o sentir mais vivo, mais verdadeiro, mais consciente do mundo.
João só voltou a comer no dia seguinte, triste pois não tinha ganho a guerra, mas feliz por se ter testado.
João ganhou uma nova fonte de prazer: a fome era divinal, não porque não queria comer ou porque se achava gordo, mas apenas porque a fome pode ser ela mesma uma excelente fonte de prazer!

5 comentários:

  1. Tiago,
    Acho extrema essa reacção a apenas um dia sem comer, mas de qualquer forma pode ser muito interessante.
    Há relatos de experiências (muitas tidas por artistas surrealistas) sobre a privação da alimentação. São vários dias sem comer com resultados extraordinários, e pontos de partida para experiências criativas (surrealistas, claro).
    Claro que isto até pode parecer provocação, pois há muito quem não tenha mesmo o que comer...
    Dê uma vista de olhos.

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  2. Luis,

    Este texto é ficção. E quanto aos sintomas isso depende de pessoa para pessoa, nao?
    O mais importante é buscar novas sensações e novas fontes de prazer...

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  3. Anónimo12:26

    Hum...ficção? isto não será mais uma das tuas historias do "tenho um amigo que..."?

    Bjs Rita

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  4. Tiago,
    Mesmo sendo ficção não me pareceu uma tentativa de se afastar de uma realidade física (ou orgânica).
    Daí que os sintomas não variam assim tanto (em pessoas de perfeita saúde).
    Mal de nós se depois de um dia sem comer estivéssemos naquele estado...
    Claro que o importante é conseguir novas fontes de prazer (assentes na experiência, onde o prazer pode ser relativo), daí que achei extraordinária esta sua ideia.

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  5. Caro Luis,
    Sendo ficção o único interesse está na busca constante de novas formas de prazer, seja pela fome, sexo ou automutilação.
    A busca de nós próprios pode passar por processos pouco convencionais e que possam até colocar a nossa viad em risco.
    Para mim existe prazer na fome.

    Cara Rita,
    Não escrevi sobre uma das histórias que se ouve pelos cantos. O texto pretende ser apenas uma demonstração do prazer que a sensação de fome pode dar. Apenas isso.

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