domingo, 13 de abril de 2008

Ainda a propósito da educação...

Enviaram-me este texto de Alice Vieria, escritora:

A geração do ecrã


Desculpem se trago hoje à baila a história da professora agredida pela aluna, numa escola do Porto, um caso de que já toda a gente falou, mas estive longe da civilização por uns dias e, diante de tudo o que agora vi e ouvi (sim, também vi o vídeo), palavra que a única coisa que acho verdadeiramente espantosa é o espanto das pessoas.


Só quem não tem entrado numa escola nestes últimos anos, só quem não contacta com gente desta idade, só quem não anda nas ruas nem nos transportes públicos, só quem nunca viu os 'Morangos com açúcar', só quem tem andado completamente cego (e surdo) de todo é que pode ter ficado surpreendido.


Se isto fosse o caso isolado de uma aluna que tivesse ultrapassado todos os limites e agredido uma professora pelo mais fútil dos motivos – bem estaríamos nós! Haveria um culpado, haveria um castigo, e o caso arrumava-se.


Mas casos destes existem pelas escolas do país inteiro. (Só mesmo a sr.ª ministra - que não entra numa escola sem avisar...- é que tem coragem de afirmar que não existe violência nas escolas...).

Este caso só é mais importante do que outros porque apareceu em vídeo, e foi levado à televisão, e agora sim, agora sabemos finalmente que a violência existe!

O pior é que isto não tem apenas a ver com uma aluna, ou com uma
professora, ou com uma escola, ou com um estrato social.
Isto tem a ver com qualquer coisa de muito mais profundo e muito mais assustador.

Isto tem a ver com a espécie de geração que estamos a criar.
Há anos que as nossas crianças não são educadas por pessoas. Há anos que as nossas crianças são educadas por ecrãs.

E o vidro não cria empatia. A empatia só se cria se, diante dos nossos
olhos, tivermos outros olhos, se tivermos um rosto humano.
E por isso as nossas crianças crescem sem emoções, crescem frias por dentro, sem um olhar para os outros que as rodeiam.
Durante anos, foram criadas na ilusão de que tudo lhes era permitido. Durante anos, foram criadas na ilusão de que a vida era uma longa avenida de prazer, sem regras, sem leis, e que nada, absolutamente nada, dava trabalho.

E durante anos os pais e os professores foram deixando que isto
acontecesse. A aluna que agrediu esta professora (e onde estavam as
auxiliares-não-sei-de-quê, que dantes se chamavam contínuas, que não deram por aquela barulheira e nem sequer se lembraram de abrir a porta da sala para ver o que se passava?) é a mesma que empurra um velho no autocarro, ou o insulta com palavrões de carroceiro (que me perdoem os carroceiros), ou espeta um gelado na cara de uma (outra) professora, e muitas outras coisas igualmente verdadeiras que se passam todos os dias.

A escola, hoje, serve para tudo menos para estudar.


A casa, hoje, serve para tudo menos para dar (as mínimas) noções de
comportamento. E eles vão continuando a viver, desumanizados, diante de um ecrã.


E nós deixamos.

2 comentários:

  1. Anónimo01:23

    Para além desta questão dos olhares focados em ecrãs e emoções plastificadas.
    (hoje, a maioria das pessoas
    já entra no mercado de trabalho para trabalhar em frente a monitores. Alguns, sujeitam-se a falar como robots, decorando e repetindo frases feitas, orientadas por grupos de marketing de multinacionais) avanço ainda para outra questão:

    Até que ponto é que os padrões indutivos desenvolvidos no cérebro de uma pessoa aguentam a informação fragmentada e desorganizada que é dada pelos mídia, publicidade, etc?
    Essa constante recolha de informação absorvida de forma aleatória ao longo do dia, provoca ou não, um autismo social e a incapacidade de coesão de grupos/comunidade?

    A personalidade de cada indivíduo e as referências que o rodeiam passam a estar sempre em constante metamorfose, sem espaço/tempo para maturação.

    Quando as sociedades ultrapassarem esta época de competição desenfreada e busca de sucesso, as pessoas irão aperceber-se que estes foram dos momentos mais bárbaros que a Humanidade enfrentou.

    Perde-se tanto tempo a correr e já ninguém sabe estar.

    Um bem-haja.
    Diogo.

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  2. Diogo o teu texto, ajuda ainda mais a perceber, que vivemos um tempo em que o Uso da tecnologia, está claramente a tornar-se nociva para o Homem.

    Sabemos o quão nocivos para o Planeta são os meios de transporte.

    Sabemos o impacto negativo da televisão, jogos computador, agora a web e todo o jogo afectivo virtual - ver o Coeurs do Resnais.

    ...

    Sabemos que o Homem, se não o agarram, consegue tornar-se no pior de todos os seres, porque tem a capacidade de manipular as emoções. Tornar o Bom em Mau, e o Mau em Bom é apenas um exemplo.

    A questão baseia-se sempre na Preguiça, o facilitar as nossas vidas é desculpa para tudo.

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