sábado, 26 de janeiro de 2008

Augusto M. Seabra a propósito da estreia de Das Märchen no São Carlos


"(...)
O que a ópera também revela, e é facto que tem de ser devidamente escrito, com todas as letras, é que o compositor, sendo um autor cultissimo, não tem todavia a menor cultura teatral e cénica. Neste aspecto, crucial, Das Märchen é de facto uma obra espantosa, de inanidade.

(...) Emmanuel Nunes, compositor do eixo franco-alemão de origem portuguesa (e que é “compositor português” quando devidamente lhe convém, como se sabe, quando se trata de obter o apoio e as garantias de mandarinato de entidades e poderes portugueses)

(...) o Acto I de Das Märchen ainda me afigura de grande riqueza, apesar de, entre outros, dois aspectos: a falta de inteligibilidade da concepção dramática e a banalidade da escrita coral, este último um aspecto que, devidamente ponderado e atendendo a já infelizes exemplos anteriores (73 Oeldorf- 75 II, Vislumbre ou Machina Mundi), até não de será de todo surpreendente, mas que a este nível de banalidade é embaraçante num compositor da envergadura de Nunes. Sendo até mais curto, o Acto II é no entanto o da confirmação da catástrofe.

(...) Pode então perguntar-se, e pergunto eu: estes meios todos para quê? Como é por exemplo admissível, nos precisos termos do rigor que se reconhece em Emmanuel Nunes, que uma imensa percussão todavia mal se ouça, perdida no trajecto entre o Salão Nobre, para onde teve de ser remetida por óbvios motivos logísticos, e a sala? Que “rigor” há na banalidade da escrita coral? Que “rigor” há na participação de um grupo de bailado que o compositor quis desde o princípio e para o qual não tem nenhum pensamento constituído? O que pensa Emmanuel Nunes que é o teatro musical: uma inacreditavelmente dispendiosa récita de “kindergarten”?

Há em Das Märchen, o conto de Goethe e a ópera de Nunes, umas personagens de relevo que são os Fogos-Fátuos. Lamentavelmente, e apesar das belezas que na obra também há (e repito que, apesar da vacuidade da concepção dramática, as quase duas horas do Acto I me surgem de grande beleza musical), Das Märchen é um Fogo-Fátuo, com uma encenação atroz no seu simples propósito “ilustrativo”, e mesmo que com uma realização musical empenhadíssima, na direcção de Peter Rundel e também, há a assinalar, contando com um cantor de excepção, o baixo Mathias Hölle.

Lamento, sinceramente lamento, em primeiro lugar pela simples razão “egoísta” de que não gosto de me chatear num espectáculo (e já me tinha bastado o que sofri no Rigoletto), em segundo lugar porque as questões contemporâneas da ópera me interessam como poucas, em terceiro lugar porque tenho o devido respeito e admiração, tantos vezes reiterados, pela obra de Nunes, que venho seguindo de há muito e sobre a qual venho escrevendo faz 30 anos; lamento, lamento sinceramente, mas enquanto objecto-ópera, nos seus próprios termos programáticos, Das Märchen afigura-se-me um desastre muito para além de tudo o que se poderia recear.

Não vejo “promessa” ou “aurora” alguma na obra, tão só os fogos-fátuos de uma ópera enquanto manifestação do poder. "

Augusto M. Seabra, in 'Letra de Forma'

1 comentário:

  1. Anónimo02:47

    O Seabra é um idiota. Fala de mais. Devia lavar a boca antes de falar fosse do que fosse, mormente de música.
    AJJLopes

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