Só ontem tive oportunidade de ler com calma a carta que Bento XVI escreveu aos nossos bispos. Para mim, alguns pontos que o Papa apresenta na carta não são novidade. De facto, a fé portuguesa anda muito centrada em santos e santinhos, gerando confusões no pensamento sobre isto da religião e da fé. Sem querer cair no perigo da generalização, é notória a cada vez maior desvalorização da celebração dominical e tudo o que está ligado com a Igreja, na sua dimensão comunitária. De que me serve ir todos os anos a Fátima, por exemplo, se isso em nada contribui para uma mudança da minha relação com a comunidade? Até mesmo com Jesus? Maria tem um papel importante enquanto imagem da humanidade que dá o sim à divindade, mas ela não é a divindade.
Também por pensar sobre isto, graças ao que vou escutando nas várias conversas que vou tendo, percebo que tem de começar a haver um questionamento sério sobre o que se prega, anuncia (ou não anuncia), deitando abaixo a imagem clericalista da Igreja. Muitas vezes, em Igreja pergunta-se, “porque é que já não vêm ter connosco?”. Para mim uma pergunta que já demonstra preocupação, mas ainda é voltada para dentro. A meu ver, juntamente com esta questão deve surgir outra: “o que é que nós, Igreja, estamos, ou não estamos, a fazer que provoca este afastamento em relação a nós?”. Penso que Bento XVI também está a colocar esta última questão aos Bispos. Afinal, andamos a centrar a fé nas romarias e não na Pessoa de Jesus. E conhecer a fundo Jesus Cristo não é, de todo, perdoem-me a expressão, esfregar as mãos nesta ou naquela imagem em busca do milagre, ou sabe-se lá do quê. A Teologia é bastante mais séria e a busca da relação com Deus traz muitas responsabilidades. Tem de se perder o medo em partir estruturas antigas e olhar às novas respostas para os dias de hoje. De facto, vinho novo em odres velhos, já se sabe o resultado.
Penso que se ganharia muito mais em começar a escutarmo-nos uns aos outros, em escutar os sinais dos tempos. Há tanto bem na Igreja, que acaba por ficar abafado por mesquinhices que não têm interesse nenhum. De que me serve anunciar que “Jesus é amor” se isso não é vivido? De que serve estar a dizer às pessoas para vir à Celebração Dominical, se não se explica, na medida do possível, o que se passa naquele momento? Não faz sentido ir à Missa por obrigação... Faz sentido quando busco uma relação...
A formação é cada vez mais importante. E começaria pelos padres, diáconos, catequistas. Sair de paradigmas antigos e entrar em pleno, por exemplo, na grande mensagem de esperança do Concílio Vaticano II. Há dias comentaram-me que a Igreja deixou de evangelizar há 1700 anos atrás, quando saiu das catacumbas, porque a partir desse momento deixou de propor, para passar a impor. Tenho noção de que este pensamento pode ser redutor, mas tem o seu quê para reflectir. Jesus veio anunciar a Boa-Nova, tendo sido muito duro perante as atitudes dos fariseus que impunham as suas doutrinas. Afinal, a libertação do ser humano passa por uma relação de esperança e verdade diante de Deus e não de medo, como se de um tirano tratasse. E esta relação tem de ser livre, no sim que é dado a quem ouve e vê Jesus. Ora, nós crentes, temos de ser os primeiros a dar o exemplo do acolhimento, do não julgamento. Sei que me torno repetitivo sobre este ponto, mas a experiência vai-me confirmando esta posição.
Se Bento XVI pede para nos centrarmos em Jesus, torna-se evidente, pelo menos para mim, que temos de voltar o nosso olhar para o Mistério da Encarnação. Não estou a ver Deus encarnar por um capricho, mas sim por este profundo desejo de integrar toda a humanidade na sua divindade. E isto vive-se em comunidade, na relação comigo, com os outros e, sobretudo com Jesus, Deus encarnado. Isto é mesmo muito sério…
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