terça-feira, 16 de outubro de 2007

Momento 3

Na segunda vez que viajei para o Oriente, consegui finalmente entrar no Cambodja onde fiquei o máximo de tempo que pude com uma familia; eram todos rapazes, entre os 15 e os 27, na sua maioria deslocados ou orfãos. Juntos geriam a pensão "Lovely" e alguns eram ainda guias para a imensidão de Angkor Vat. Fiz amizade em particular com Mark, um ex-monge com o qual hoje ainda mantenho contacto. O sonho dele era ter dinheiro suficiente para comprar uma mota. Era claramente o mais inteligente, falava um inglês correcto e era nele que todos depositavam a responsabilidade da gestão. Ficámos amigos, algo que não foi difícil porque tivemos cerca de 4-5h de conversa non-stop, o tempo que demora a fazer a estrada que liga a fronteira com a Tailândia a Siem Reap. No Cambodja percebi o valor de uma caneta, o valor de querer e não ter instrumentos/ ferramentas para concretizar, o valor enorme da perda e a sobrevivência com um espirito que não encontro, aqui em Portugal em quem tem tudo. Aprendi a bondade extrema e aprendi a ler o sorriso da saudade de perder a vida e não deixar que a vida se perca neles. No momento em que entro na floresta, numa zona mais recondita, inexplorada por turistas porque visitada ainda por minas, tigres e khmers, à conversa com o rapaz que me guiava ele conta que tem uma irmã que vive em Phnom Penh e que rraramente vê, os pais e toda a familia foram assassinados. Ele tinha crescido com essa memória e com a vontade de, sem esquecer, aceitar e lutar para sair.
É tudo isto que vejo um pouco na Birmânia, algo que parece o resto do mundo já esqueceu. Algo que só quem por lá passa e entra no mundo deste povo magnifico conseguirá jamais esquecer. São pessoas e povos que merecem o melhor e que tudo o que lhes oferecem é guerra e sofrimento. É preciso ser dono de uma bondade enorme para continuar a receber o Ocidente com um sorriso. O Vietname foi há 20-30 anos, Pol Pot há menos tempo e a tirania da Birmania ou Myanmar dura até hoje com as consequências, visiveis mas já apagadas que todos presenciámos. É por tudo isto que sinto asco e repugnância, mesmo pelos amigos que defendem a guerra (Já foi solução para muitas coisas dizem) ou os Estados Unidos (Ajudaram a Europa...) ou o diabo que os carregue, na grande maioria nunca sairam nem viram sequer, para além do pequeno mundo que os rodeia.

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