Por Joaquim Pedro Cardoso da Costa
(Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa)
(Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa)
"No meio de todo o debate, tem-se tornado claro, creio, que existe já, apesar de tudo, um relativo consenso em dois pontos: quanto ao facto de o aborto ser sempre um mal, e quanto à injustiça, em muitos casos dramáticos, de punir em concreto a mulher que o pratica.
Em última análise, o que interessará, para muita gente, será encontrar soluções, no quadro da promoção de uma cultura de responsabilidade, também na sexualidade, que conduzam a uma efectiva diminuição do número de abortos.
A actual lei já representa, é bom lembrar, um compromisso que tem em conta aquelas duas afirmações. Mas, a este propósito, têm sido adiantadas outras e novas soluções que apontam para um novo compromisso realista que tenha em conta a necessidade de uma lei que, como todas as leis, represente o possível equilíbrio social e político nesta questão.
Desde a "Suspensão Provisória do Processo" (constante do Projecto da Deputada Rosário Carneiro - http://www3.parlamento.pt/PLC/Iniciativa.aspx?ID_Ini=20746 - e de uma iniciativa de cidadãos - http://www.protegersemjulgar.com/projecto.htm ),
até à "Proposta Freitas do Amaral" ("presunção de estado de necessidade desculpante"), passando por soluções no sentido de penas alternativas à pena de prisão,
pelo Projecto de Lei dos Deputados do PS Eurico de Figueiredo e António Braga, já de 1997 ( http://www3.parlamento.pt/PLC/Iniciativa.aspx?ID_Ini=4892 )
ou pela recente inciativa de Marcelo Rebelo de Sousa
( http://www.assimnao.org/ ).
Pouco se tem falado, no entanto, da solução da lei alemã, da qual tomo a liberdade de juntar alguns excertos em inglês, como uma tentativa de resolver aquele aparente paradoxo
("como não punir a mulher, em muitos casos dramáticos, sem transformar o aborto num direito?", "como despenalizar sem liberalizar?").O ponto principal dessa legislação, que a torna original no quadro europeu, consiste na existência de um mecanismo de aconselhamento e ajuda (que não é um mero aconselhamento informativo mas um aconselhamento orientado para a salvaguarda da vida e que visa dissuadir a mulher de praticar o aborto), definido, na própria lei (S. 219, nº 1, Código Penal Alemão), nos seguintes termos: " O aconselhamento serve a protecção da vida que está por nascer. Deve orientar‑se pelo esforço de encorajar a mulher a prosseguir a gravidez e de lhe abrir perspectivas para uma vida com a criança. Deve ajudá‑la a tomar uma decisão responsável e em consciência. A mulher deve ter a consciência de que o feto, em cada uma das fases de gravidez, também tem o direito próprio à vida e que, por isso, de acordo com o sistema legal, uma interrupção da gravidez apenas pode ser considerada em situações de excepção, quando a mulher fica sujeita a um sacrifício que pelo nascimento da criança é agravado e se torna tão pesado e extraordinário que ultrapassa o limite do que se lhe pode exigir ".
Em última análise, o que interessará, para muita gente, será encontrar soluções, no quadro da promoção de uma cultura de responsabilidade, também na sexualidade, que conduzam a uma efectiva diminuição do número de abortos.
A actual lei já representa, é bom lembrar, um compromisso que tem em conta aquelas duas afirmações. Mas, a este propósito, têm sido adiantadas outras e novas soluções que apontam para um novo compromisso realista que tenha em conta a necessidade de uma lei que, como todas as leis, represente o possível equilíbrio social e político nesta questão.
Desde a "Suspensão Provisória do Processo" (constante do Projecto da Deputada Rosário Carneiro - http://www3.parlamento.pt/PLC/Iniciativa.aspx?ID_Ini=20746 - e de uma iniciativa de cidadãos - http://www.protegersemjulgar.com/projecto.htm ),
até à "Proposta Freitas do Amaral" ("presunção de estado de necessidade desculpante"), passando por soluções no sentido de penas alternativas à pena de prisão,
pelo Projecto de Lei dos Deputados do PS Eurico de Figueiredo e António Braga, já de 1997 ( http://www3.parlamento.pt/PLC/Iniciativa.aspx?ID_Ini=4892 )
ou pela recente inciativa de Marcelo Rebelo de Sousa
( http://www.assimnao.org/ ).
Pouco se tem falado, no entanto, da solução da lei alemã, da qual tomo a liberdade de juntar alguns excertos em inglês, como uma tentativa de resolver aquele aparente paradoxo
("como não punir a mulher, em muitos casos dramáticos, sem transformar o aborto num direito?", "como despenalizar sem liberalizar?").O ponto principal dessa legislação, que a torna original no quadro europeu, consiste na existência de um mecanismo de aconselhamento e ajuda (que não é um mero aconselhamento informativo mas um aconselhamento orientado para a salvaguarda da vida e que visa dissuadir a mulher de praticar o aborto), definido, na própria lei (S. 219, nº 1, Código Penal Alemão), nos seguintes termos: " O aconselhamento serve a protecção da vida que está por nascer. Deve orientar‑se pelo esforço de encorajar a mulher a prosseguir a gravidez e de lhe abrir perspectivas para uma vida com a criança. Deve ajudá‑la a tomar uma decisão responsável e em consciência. A mulher deve ter a consciência de que o feto, em cada uma das fases de gravidez, também tem o direito próprio à vida e que, por isso, de acordo com o sistema legal, uma interrupção da gravidez apenas pode ser considerada em situações de excepção, quando a mulher fica sujeita a um sacrifício que pelo nascimento da criança é agravado e se torna tão pesado e extraordinário que ultrapassa o limite do que se lhe pode exigir ".
A lei alemã afasta-se, assim, do puro modelo do "aborto a pedido" (modelo da proposta em referendo), assumindo antes que, normalmente, será exigível à mulher o cumprimento do dever de levar a sua gravidez até ao fim, até ao nascimento do bébé. Normalmente, ser-lhe-á exigível cumprir o maravilhoso mas exigente fardo de levar a gravidez a termo.
Em contrapartida, é afirmada, por sua vez, a responsabilidade do Estado (e o mesmo se diga, aliás, da Sociedade em geral, das empresas, das famílias, etc) em criar as condições, em todos os domínios, que auxiliem a mulher a cumprir essa exigência.
Para além disso, no modelo da lei alemã, o aborto, mesmo nos casos em que, depois de realizado aquele aconselhamento dissuasor, é considerado não punível, sempre continua a ser tratado, para todos os efeitos jurídicos, como um acto ilícito (nomeadamente, para efeitos de não poder, assim, ser comparticipado pela Segurança Social, etc). Ou seja, o aborto continua a ser, nesses casos, ilegítimo, mas não punível.
Não pretendo, com este email, apresentar a solução da lei alemã como ideal (apesar do inequívoco valor simbólico das suas palavras):
ao invés, entenderia sempre necessário que um modelo de ajuda e aconselhamento dissuasor (do qual não poderia, em regra, ser afastado o homem) não terminasse com uma decisão autónoma da mulher (até porque as concretas condições para que esta possa formar um juízo verdadeiramente livre e autónomo muitas vezes se não verificam). Essa decisão, se fosse no sentido do aborto, teria que ficar sempre dependente da concordância da comissão ético-médica de aconselhamento (a qual só poderia ocorrer, naturalmente, em casos verdadeiramente excepcionais e dramáticos).
O que me interessa salientar, no momento em que o referendo se aproxima, é que mesmo quem defenda o exacto modelo da lei alemã não tem outra solução que não seja votar Não. E o mesmo se passa para quem defenda as soluções compromissórias acima apontadas ou outras (a efectiva despenalização, sem liberalização): quem quer despenalizar mas manter o carácter ilícito do aborto (como sinal que a sociedade dá do mal inerente a qualquer aborto), terá que votar Não.
Na verdade, no caso da vitória do sim, a lei a aprovar (cujo texto aparece no fim deste email) não contém nenhum mecanismo deste tipo e não o irá conter, porque nunca foi essa nem é essa a vontade dos seus promotores, e porque, em rigor, face à concreta pergunta formulada, não o poderá conter
(lembre-se que todas as soluções compromissórias foram no passado recusadas).
Ou seja: há muitos "Nãos" - todas aquelas soluções compromissórias vêm do lado do Não.
O lado do sim leva necessariamente a uma solução radical: a questão fica fechada com a legislação a aprovar, que consagra o "aborto a pedido". O aborto passa de um ilícito penal a um direito (ver, neste sentido, Vital Moreira: "A partir do momento em que a interrupção voluntária da gravidez deixa de ser penalmente punida, as mulheres interessadas passam a ter um direito ao respectivo acto médico, o qual não pode ser recusado senão a título de objecção de consciência, nos termos previstos na Constituição e na lei", in Público, 16/1/2007 e
http://aba-da-causa.blogspot.com/2007/01/quando-o-erro-conforta-o-erro.html )
A lei que se pretende aprovar, como afirmou lapidarmente o Juiz Mário Torres, no seu voto de vencido ao recente acórdão do Tribunal Constitucional, representa a total desprotecção da vida intra-uterina, "com absoluta prevalência da 'liberdade de opção' da mulher grávida, sem que o Estado faça o mínimo esforço no sentido da salvaguarda da vida do feto, antes adoptando uma posição de neutral indiferença ou, pior ainda, de activa promoção da destruição dessa vida ... Em vez dessa intervenção para salvaguarda da vida, de tal solução resultará, nem sequer uma posição de neutralidade ou de indiferença do Estado (que já seria criticável), mas inclusivamente uma posição de promoção do aborto, através da facilitação da sua prática, por mera opção da mulher grávida, sem invocação de motivos, nos serviços públicos de saúde, tendencialmente gratuitos".
Em contrapartida, é afirmada, por sua vez, a responsabilidade do Estado (e o mesmo se diga, aliás, da Sociedade em geral, das empresas, das famílias, etc) em criar as condições, em todos os domínios, que auxiliem a mulher a cumprir essa exigência.
Para além disso, no modelo da lei alemã, o aborto, mesmo nos casos em que, depois de realizado aquele aconselhamento dissuasor, é considerado não punível, sempre continua a ser tratado, para todos os efeitos jurídicos, como um acto ilícito (nomeadamente, para efeitos de não poder, assim, ser comparticipado pela Segurança Social, etc). Ou seja, o aborto continua a ser, nesses casos, ilegítimo, mas não punível.
Não pretendo, com este email, apresentar a solução da lei alemã como ideal (apesar do inequívoco valor simbólico das suas palavras):
ao invés, entenderia sempre necessário que um modelo de ajuda e aconselhamento dissuasor (do qual não poderia, em regra, ser afastado o homem) não terminasse com uma decisão autónoma da mulher (até porque as concretas condições para que esta possa formar um juízo verdadeiramente livre e autónomo muitas vezes se não verificam). Essa decisão, se fosse no sentido do aborto, teria que ficar sempre dependente da concordância da comissão ético-médica de aconselhamento (a qual só poderia ocorrer, naturalmente, em casos verdadeiramente excepcionais e dramáticos).
O que me interessa salientar, no momento em que o referendo se aproxima, é que mesmo quem defenda o exacto modelo da lei alemã não tem outra solução que não seja votar Não. E o mesmo se passa para quem defenda as soluções compromissórias acima apontadas ou outras (a efectiva despenalização, sem liberalização): quem quer despenalizar mas manter o carácter ilícito do aborto (como sinal que a sociedade dá do mal inerente a qualquer aborto), terá que votar Não.
Na verdade, no caso da vitória do sim, a lei a aprovar (cujo texto aparece no fim deste email) não contém nenhum mecanismo deste tipo e não o irá conter, porque nunca foi essa nem é essa a vontade dos seus promotores, e porque, em rigor, face à concreta pergunta formulada, não o poderá conter
(lembre-se que todas as soluções compromissórias foram no passado recusadas).
Ou seja: há muitos "Nãos" - todas aquelas soluções compromissórias vêm do lado do Não.
O lado do sim leva necessariamente a uma solução radical: a questão fica fechada com a legislação a aprovar, que consagra o "aborto a pedido". O aborto passa de um ilícito penal a um direito (ver, neste sentido, Vital Moreira: "A partir do momento em que a interrupção voluntária da gravidez deixa de ser penalmente punida, as mulheres interessadas passam a ter um direito ao respectivo acto médico, o qual não pode ser recusado senão a título de objecção de consciência, nos termos previstos na Constituição e na lei", in Público, 16/1/2007 e
http://aba-da-causa.blogspot.com/2007/01/quando-o-erro-conforta-o-erro.html )
A lei que se pretende aprovar, como afirmou lapidarmente o Juiz Mário Torres, no seu voto de vencido ao recente acórdão do Tribunal Constitucional, representa a total desprotecção da vida intra-uterina, "com absoluta prevalência da 'liberdade de opção' da mulher grávida, sem que o Estado faça o mínimo esforço no sentido da salvaguarda da vida do feto, antes adoptando uma posição de neutral indiferença ou, pior ainda, de activa promoção da destruição dessa vida ... Em vez dessa intervenção para salvaguarda da vida, de tal solução resultará, nem sequer uma posição de neutralidade ou de indiferença do Estado (que já seria criticável), mas inclusivamente uma posição de promoção do aborto, através da facilitação da sua prática, por mera opção da mulher grávida, sem invocação de motivos, nos serviços públicos de saúde, tendencialmente gratuitos".
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