Era manhã cedo em Lisboa e o comboio apitava na estação vomitando nas plataformas mulheres apressadas e homens distraídos. Mas aquele não era um combóio qualquer porque era um comboio especial. De todos os combois que conheço era provavelmente o mais especial que havia. Vinha dos mesmos sitios que os outros e ia para os mesmos sitios que os outros. Mas era especial no meio de todos porque nenhum ambicionava nada enquanto aquele ambicionava tudo. E o seu maior sonho era ser um barco e navegar pelos mares.
Era manhã cedo em Lisboa e o comboio apitava na estação vomitando nas plataformas mulheres apressadas e homens distraídos. E no alto daquele prédio cor de tempos passados, uma varanda tímida espreitava as mulheres que passavam, apressadas, e sentia o íntimo desejo de ter nascido como elas, mutantes, velozes, portáteis!
E sempre que era manhã cedo em Lisboa e o combóio apitava na estação, varanda e combóio trocavam sonhos e desejos vivendo entre os dois a partilha de uma fantasia que os transformava respectivamente em barco e mulher à deriva pelo mar. E riam-se da pressa das mulheres e da distracção dos homens que não percebiam nada e que não aproveitavam os barcos e os mares para fugir ou para sonhar!
Desta rotina nasceu obviamente um amor enorme da varanda pelo combóio. E quando ele por alguma razão não vinha, a triste varanda perdia-se em divagações românticas e em ciúmes enlouquecidos, imaginando que o combóio era finalmente um barco e que alguma daquelas mulheres que ele transportava tinha descoberto o caminho directo para o seu coração... Aquele sofrimento era feroz e durava até à próxima manhã em que, cedo, o apito ecoava pela estação. Só os pássaros que por ali pousavam testemunhavam estes desvarios e por toda a cidade já se comentava a loucura da varanda que não percebia que era apenas uma varanda!
Os tempos foram passando, o combóio foi fazer outras paragens e deu por si a fazer a linha do Estoril, ao lado do rio, e acabou mesmo por se esquecer que era comboio para se convencer que era um grande e forte barco, porque só via água!
Quanto à varanda, essa foi enlouquecendo sozinha à medida que percebeu que nunca seria mulher. A útima vez que soube dela estava apaixonada por uma gaivota que ainda por cima só abusou da sua boa vontade. Hoje quando lá passo ainda olho para cima mas é raro a varanda reagir. Perdeu o juízo e agora vai deixando cair pedacinhos de si quando passa alguma mulher.
Queria confortá-la mas não sei. O meu forte nunca foram varandas...
Espectacular!!
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