A única coisa que não é premeditada nos espectáculos de Pina Bausch é a plateia. Tudo o resto, cada piscar de olhos, cada sorriso, cada movimento de dedos é coreografado, estudado e treinado ao milímetro.
A coreógrafa apresentou ontem, no Teatro de São Luís, em Lisboa, o espectáculo Ten Chi (Céu e Terra), ao qual eu tive a felicidade/sorte de assistir devido à generosidade de amigos que têm amigos em lugares importantes.
Um cenário escuro, quase sombrio e ao longe sombras, vultos. Um peixe? Uma baleia? Uma ilha? Um oceano? Não se sabe. Não é suposto perceber-se. O Japão dá o mote. Mas é o Japão ou é uma invocação à solidão da sociedade moderna? Corpos deslizam (ou flutuam) pelo palco. Há mergulhos no mar e há mergulhos na vida. Há encontros e desencontros, há promessas e desilusões. A vida como ela é: bela, sublime, destruidora, devoradora, cruel, colorida.
Começa a nevar. Mas não é frio que se sente. Talvez porque não seja neve. São pétalas que caiem, são cerejeiras em flor, é a primavera japonesa. E mais uma vez os amores e os desamores. A beleza começa a incomodar porque parece insana. Como se pelo palco passassem todos os nossos medos, as nossas inseguranças e as nossas angústias. Apetece tocar em alguém, sentir a fluidez dos corpos para perceber que não estamos sozinhos.
A neve continua a cair. Ininterruptamente. O palco vai ficando branco. E as cores vão aparecendo, vibrantes, ocasionais. São elas, as mulheres, que aparecem e desaparecem ao ritmo da neve que cai. Solidão. É solidão que se sente agora. Um mundo demasiado grande, demasiado distante, demasiado forte. Os afectos e os desafectos, uma vez mais. A perda da inocência e mais um mergulho: afinal de contas o cenário é marítimo e estamos numa ilha. Ou somos uma ilha?
A única coisa que não é premeditada nos espectáculos de Pina Bausch é a plateia. Tudo o resto, cada piscar de olhos, cada sorriso, cada movimento de dedos é coreografado, estudado e treinado ao milímetro. Ontem testemunhei essa precisão. E o impacto que teve em mim ainda não foi totalmente avaliado. A beleza tem esse efeito: esmaga-me.
Há na 'La Vita Nuova' de Dante Alighieri umas palavras que me fizeram sentir algo semelhante. Deixo-as aqui, em jeito de conclusão
“He woke her then, trembling and obedient she ate that burning heart out of his hand. Weeping, I saw him then depart from me.
Could he daily feel a stab of hunger for her and find nourishment in the very sight of her? I think so. Would she see through the bars of his plight and ache for him?”
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Ten Chi/Céu e Terra
Pina Bausch, direcção e coreografia; Peter Pabst, cenário; Shoukichi Kina, Hwang Byungki, Ryoko Moriyama, Kodo, Yas-Kaz, Alexander Balanescu. Thomas Heberer, Norah Jones, Gustavo Santaolalla, Robert Wyatt, Club des Belugas, Kreidler, Labradford, Plastikman, TudôsoK, Underkarf, música; Ruth Berlau, Bertolt Brecht, Georg Büchner, José Saramago, Margarete Steffin, Wislawa Szymborska u.a., texto.
6, 7 e 8 Out: 21h, 9 Out: 17h30
Pina Bausch, direcção e coreografia; Peter Pabst, cenário; Shoukichi Kina, Hwang Byungki, Ryoko Moriyama, Kodo, Yas-Kaz, Alexander Balanescu. Thomas Heberer, Norah Jones, Gustavo Santaolalla, Robert Wyatt, Club des Belugas, Kreidler, Labradford, Plastikman, TudôsoK, Underkarf, música; Ruth Berlau, Bertolt Brecht, Georg Büchner, José Saramago, Margarete Steffin, Wislawa Szymborska u.a., texto.
6, 7 e 8 Out: 21h, 9 Out: 17h30
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