terça-feira, 28 de junho de 2022

Encontro e suporte


João Almeida


[Coisas na vida de um padre com breve apontamento] Chegam boas recordações de dia bonito. Este momento despertou gargalhadas. Trouxe o Pedro, depois de baptizado, até ao altar. Ia passá-lo aos pais, mas estava de gosto no colo. E, sem ser pensado, acabou por fazer muito sentido apresentar no altar as oferendas do pão e do vinho, o fruto do trabalho da humanidade, estando a ser suporte de alguém. Enquanto padre, em especial no momento da celebração de Missa, sou chamado a oferecer-me a Deus por cada pessoa, independentemente da sua condição ou da minha maior ou menor simpatia para com ela. Estes dias tenho pensado muito nisso. Quero ser, enquanto padre, promotor de encontro e humanização num mundo complexo, que não é nem preto nem branco, mas cheio de tanto em tantas cores.

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Partilhas


[Nicola Hanna - em Bethlehem, a saborear uma bela narguilé]


[Breve apontamento sobre estes últimos tempos] As redes sociais têm este lado curioso de fomentar relações, quase ao jeito de uma comunidade. Mesmo que não nos conheçamos pessoalmente muitas das pessoas, vamo-nos encontrando por esta ou aquela partilha. Se bem que as redes não sejam a vida (a minha não é), cria-se proximidade com as publicações. Por não estar a ser tão assíduo, como costume, tenho recebido mensagens e telefonemas a perguntar se está tudo bem comigo, em jeito de preocupação. Acho bonito. E fico muito agradecido. Sim, estou bem. Tenho estado com mais trabalho: entre casamentos, baptizados, pastoral familiar, oriento 4 turnos de Exercícios de 8 dias relativamente próximos, estando a viver o segundo destes 4. E no final do ano, é exigente. Então, há que reduzir onde se pode para estar bem onde há que estar: na escuta atenta da vida de cada pessoa a fazer retiro. 


No último ano e meio já escutei cerca de 900 pessoas, entre retiros, formações e acompanhamentos individuais. É uma graça imensa, que me permite conhecer o que atravessa de igual e de diferente no ser humano. Mas é exigente. Por isso, de vez em quando, há que dedicar mais tempo ao silêncio a preparar a escuta. Agradeço mais uma vez a preocupação, mas estou mesmo bem. Dedico-me a ter tempo para mim, intercalado com o serviço da escuta. Sempre que me for possível, passo por aqui. Seja como for, rezo o abecedário todos os dias. Logo, todas as pessoas estão incluídas.


terça-feira, 21 de junho de 2022

Breve oração


[Breve oração no anoitecer do solstício de Verão]


Agradeço-Te 

a luz que se expande

os frutos doces

as cores da diversidade

a chuva refrescante


Peço-Te

saber contemplar 

como fizeste no sétimo dia

depois de tudo veres como muito bom


sexta-feira, 17 de junho de 2022

Serenidade


[Breve conversa solta]

- O que faz algumas pessoas serem tão serenas? Parece que não têm problemas, dúvidas, questões de fundo. Gostava de ser assim.

- Assim, como? 

- Olhe, como o P. Paulo. Transmite tanta serenidade. 

- Obrigado por dizer. Sim, existe serenidade em mim. E dúvidas e questões de fundo e irritação e incómodos e chatices e risos e alegria e humor e tantas mais coisas de todas as cores. 

- E como lida com isso tudo? 

- Aprendi a respeitar-me cada vez mais. Há dias que custa, sobretudo quando estou mais cansado. Noutro, divirto-me e vejo o potencial de compreensão que aceitar o imenso de sentimentos e pensamentos traz. Ajuda ainda uma boa conversa com quem me acompanha espiritualmente e, quando necessário, uma conversa mais psicoterapeuta. 

- Desculpe a pergunta, mas faz psicoterapia?

- Já fiz com regularidade semanal, agora apenas em momentos muito pontuais. 

- Gostava de ter essa coragem.

- A minha é a minha. Pense na luz da sua. E quem sabe surgem passos novos.


domingo, 12 de junho de 2022

Sermos cada vez mais luz


Henrique Almeida


[Breves notas muito pessoais] A humanidade fascina-me. A complexidade de quem nós somos, na imensidão de histórias, sonhos, pensamentos e sentimentos, entre luzes e sombras. 


Tenho estado mais silencioso, mas apenas porque há muito a pensar, digerir, em tempos de maior escuta, a acompanhar, não me saindo palavras a partilhar. Acontece. Não é a primeira vez. Sinto pouco o que escrevo. E apago. Sinto desnecessário. Volto a apagar. E não é falsa humildade, apenas sinto preferível o silêncio. Alguém, na brincadeira, dizia: vais perder seguidores. Eu ria. Não estou aqui pelas redes por números. Além do mais, nunca se perde quem não se possui e, sobretudo, quem permite a liberdade do outro. 


Nos tempos de descanso tenho visto audições de talentos. Vale o algoritmo e aparecem histórias incríveis, de risco, de superação, de deixar a beleza surgir, de humor, de vidas duras (além dos diferentes Got Talents, também vejo alguns do RuPaul Drag Race). E emociono-me. Pelas performances, mas também por pensar que nós humanos temos na mão escolher o bem e o mal. Impressiona-me esta luta de luz e sombra. Vejo os ódios e amores na redes, onde se arrasa a outra pessoa com a facilidade de um clique. Faço silêncio. Fico a pensar nas minhas lutas. Também nas vezes que me seria mais fácil desdenhar, arrasar. E peço a Deus que me ajude a optar pelo bem. 


Afinal, de um segundo ao outro tudo muda. Sem ter de estar alerta com medo de fatalidades, não se trata disso, podemos contribuir para o Bem. É certo que o caminho de cura de alma é exigente, mas ainda assim vale a pena percorrê-lo. É libertador. Saímos a ganhar. Há uma luz nova que brota e os talentos tornam-se caminho de arte, de vida, de recordar, como no Salmo 8, que temos poder divino nas mãos e somos coroados por Deus de honra e de glória. Esboço um sorriso, agradecido a Deus, compreendendo um pouco mais do quanto Ele continua a acreditar em nós. 


O mundo vive em mudança. Somos nós, com as nossas decisões de mal ou de bem, que também orientamos o seu rumo. Que possam ser cada vez mais de bem, de respeito, de vida, de paz. Rezo para sermos cada vez mais luz.


quarta-feira, 8 de junho de 2022

Céu sem véus


[Notas soltas ao anoitecer] Há dias dei por mim a pensar no céu sem véus. Esse pensamento tem-me acompanhado. O cru da realidade: do sentir, dos desejos, dos impulsos, das acções, dos motivos e razões, do inconsciente ao verdadeiramente consciente. 


Ajudar as pessoas que escuto a descobrir, desbravar, desvelar a sua verdade exige sabedoria. Para isso, tenho de ir percebendo esse significado para saber como promover essa ajuda com a delicadeza que merece o terreno sagrado da vida de cada pessoa. Também, e será mesmo sobretudo, para saber o meu limite na ajuda. 


No meu tempo de silêncio tenho-me dedicado mais à leitura. De alma, como é natural. E de textos de outros. Terminei há dias “As velas ardem até ao fim” de Sándor Márai. Várias passagens deixaram-me em silêncio, a pensar. A boa literatura tem mesmo o condão de nos pôr a relativizar dramas existenciais. Ou então, a pô-los no modo certo, que nos ajudem a crescer como pessoas mais profundamente humanas. Todas as histórias que escuto e as que leio fazem-me rezar o céu e os véus. Melhor, os não véus no céu. 


O véu rasga-se com a morte de Jesus. Não é um véu qualquer. É o do templo. O que impedia ver o Santo dos Santos. A morte abre caminho para a verdade. Na escuta, faço por cumprir um propósito: que a pessoa seja um pouco mais livre de véus.


Pergunto-me se não será isto que nos faz ser mais humanos uns com os outros: ajudarmo-nos a ser mais céu.


sábado, 4 de junho de 2022

Pentecostes


[Breves notas na noite de Pentecostes] 

O Espírito rasga a noite, deixando a descoberto a liberdade de amar. Revela-nos o caminho para lá do medo do diferente, anulando preconceitos e abrindo portas e janelas para acolher a vida. O Espírito tira-nos da mediocridade dos julgamentos e da pequenez de vistas, expandindo os horizontes da humanidade. Apresenta-nos as histórias, pessoal e universal, refrescadas com a beleza do presente, apontando assim o futuro desde o sermos Corpo com Ele. E na colaboração, todos ganhamos.


quinta-feira, 2 de junho de 2022

Silenciar ruídos



Jorge Bastos


[Breve conversa]

- P. Paulo, como podemos silenciar os ruídos de alma?

- Dando-lhes voz.

- Mas por vezes são terríveis, horríveis de desumanos. 

- Então escute-os com alguém que os acolha sem os julgar. 

- O que pensará essa pessoa de mim?

- Se é alguém que não julga ruídos, o pensamento será de acolhimento e compreensão. Já deu voz aos seus próprios ruídos, habitando-se de silêncio.


quarta-feira, 1 de junho de 2022

Dia da Criança



[Breve oração ao anoitecer do Dia da Criança]


Agradeço-Te

o crescimento sem pressas

recordando que somos existência

para lá de qualquer funcionalidade

onde brincar, jogar, divertir, perguntar

são partes integrantes do caminho


Entrego-Te

as crianças,

em especial as que deixaram de o ser

demasiado rápido, 

saltando etapas 

para cuidar e proteger

quando deveriam ser

cuidadas e protegidas


Peço-Te

que nenhuma delas seja obrigada

a ser um adulto em miniatura,

que nós, adultos, sejamos orientadores

dos seus caminhos de vida e de amor