segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Viragens [de ano]




"Goal Post, Chile" - Nadav Kander

(Versión en español en los comentarios)

As viragens. Possibilidade de abertura: o mistério desejoso de ser revelado. Deixando o medo sem a principal palavra, a História quer ser escrita... e vivida a partir de oportunidades e encontros. Para 2012: Amém. Para 2013: Aleluia! 


quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Ironia(s) da actualidade




A entrada em Lisboa (e de algum modo em Portugal) pela estação de Metro “Aeroporto” tem como anfitriões muitas personagens destacadas da cultura portuguesa. A estação do Saldanha da mesma linha, entre muitas citações de Almada Negreiros, tem uma que me chamou a atenção: “O idioma é a instrução de um povo, a arte a sua educação”. 

Sorri e pensei: “Que curiosa ironia para os tempos que correm”. 


segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

A minha Carta de Natal 2012





(Versión en español en los comentarios)

“Em tudo o que suscita em nós o sentimento puro e autêntico do belo, existe realmente a presença de Deus. Há uma espécie de encarnação de Deus no mundo, de que a beleza é testemunho. O belo é a prova experimental de que a encarnação é possível. Portanto, toda a arte de primeira categoria é, por essência, religiosa. (Algo que hoje em dia desconhecemos.)” 
Simone Weil, em A Gravidade e a Graça


Queridas Amigas, queridos Amigos,

Há dias, nas minhas escritas e estudos, escrevi: as palavras têm “corpo”. Tinham em mente a certeza de que quando se escreve de “coração na mão”, as palavras tornam-se verdadeiramente densas, como que um espelho que reflecte não só o sentir, mas também toda a pessoa que as escreve. Tenho para mim que nesses momentos não pode haver mentira, que a verdade mais pura do sentir aflora e torna-se presente. Outra forma ou outro lado da encarnação, diria. Acrescento que quando me refiro ao coração, faço-o no sentido hebraico, em que é considerado como centro não só das emoções, dos afectos, como também do discernimento, do pensar, do encontro com o sentido e decisões da vida. Por isso, escrever de “coração na mão” é escrever com todo o ser.

Em jeito de pequeno ritual, acendo a vela que me acompanha nas orações dos últimos tempos e dou “corpo” a esta carta de Natal de 2012. 

“Onde estás?” (Gn 3,9) Esta pergunta soou-me forte há dias. No contexto em que é formulada, Deus procura Adão, que se escondeu depois de comer o fruto proibido. No entanto, mais do que me sentir procurado por Deus, percebi que a pergunta me levava a ir ao presente, a uma escuta do “aqui e agora”. “Que fazes? Que queres? Que sonhas?”, ramificariam a partir desse estar. Não se trata de um presente que anula o passado e o sentido das coisas. Tem os alicerces na História (seja ela qual for) e, precisamente por esse passado, é vivido de uma forma diferente. Mesmo que ao jeito de ritual familiar se cumpram as tradições, estas não serão iguais. Olho para este ano que passou e é impressionante as mudanças que houve, os acontecimentos que me levaram a uma diferença no meu olhar da realidade, alterando as respostas quanto ao meu estar, fazer, querer e sonhar.

Ofereceram-me um presépio. As figuras não tinham rosto. Gosto muito de presépios assim concebidos. Dá-me a possibilidade de rezar e de alguma forma ser eu a pôr o rosto: meu ou de alguém. Uma das grandezas da Bíblia é permitir entrar nela com a própria vida e sentimentos. Este ano gritei dolorosamente como Job, blasfemei como Moisés, voltei a construir ídolos como o povo hebreu, senti a minha fé ser desafiada como Abrãao, passei por uma conversão como S. Paulo. Se me centrar nas figuras do presépio: encontrei-me com incógnitas como Maria, junto com a consolidação do sim à minha vocação em servir; foram algumas vezes que fiquei “sem chão” perante os desafios pessoais, sobretudo aqueles que me levavam ir ainda mais fundo de mim e confiar... confiar... e confiar, tal como o grande José; e aos poucos deixar-me entrar no “sentir” do Menino. Este “sentir” de quem não conhece nada, nem ninguém, quando nasce, quando descobre outra realidade da Vida, tendo de ser ensinado e aos poucos crescer em todas as suas dimensões como humano.

Uma grandeza (ou pequenez) de Deus é este voltar a nascer. Não porque necessite, mas para que cada ser humano possa fazê-lo também, na simplicidade dos acontecimentos da sua vida. Pode ser fácil ou muito duro, difícil até. Nós crentes, por vezes, acabamos por dizer coisas “bonitinhas”, como se a vida fosse torneada de “luzinhas e fitinhas natalícias” ou, então, carregarmos a força da crise e dos que estão a sofrer muito. Sem dúvida que temos de lutar pela justiça, no entanto, também temos de respeitar e/ou ajudar as pessoas a encontrar o seu caminho pessoal de relação com Deus, que pode não ter nada que ver com a nossa visão das coisas. Dar corpo às palavras também é passar a uma escuta da realidade, percebendo que o “nascer de Deus” pode dar-se onde menos se espera. O Salvador nasceu frágil, numa gruta, e não caiu dos céus, como um deus guerreiro. 

Onde estou? Estou a ver um presépio sem rosto, onde na sua beleza deixo que a presença de Deus se manifeste, de modo que aí ponha os vossos rostos, com todos os sentimentos que possam estar a passar: a alegria do reencontro, ou a tristeza da separação, ou a incompreensão por tanto mal na realidade, ou o sofrimento pelo desemprego, ou o afastamento da Igreja (mais que de Deus) por todos os motivos e mais alguns, ou a força ganha por um desafio ultrapassado, ou o silêncio da solidão, ou o silêncio de quem contempla agradecido(a) tanto bem que recebeu (nos acontecimentos consolados ou dolorosos), ou a angústia do “sem chão” em relação ao futuro, ou a certeza de que apesar de tudo, mas tudo mesmo, é amado ou amada. 

Queridas Amigas, queridos Amigos,

o meu desejo para estes dias de Natal é que tomem consciência da beleza que cada um de nós é, que todas e todos somos “arte de primeira categoria”. Se isso acontece, o belo falará mais forte e a forma como viveremos o ano de 2013 será diferente, permitindo que as encruzilhadas que passamos sejam oportunidades com esperança e humanidade. 

No silencioso, misterioso e belo acontecimento da noite de 24, rezarei por cada um(a) de vocês ao Menino Jesus: pelos vossos sonhos, desejos e necessidades. Neste novo ano que se aproxima, aconteça o que acontecer, para cada uma e cada um peço esperança, serenidade e oportunidades de encontro com o sentido mais fundo do Natal: a Vida!

Um Abraço muito apertado e até breve!
Paulo Duarte,sj

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Perdão [em Advento]





amy friend

(Versión en español en los comentarios)


Também para o Advento: O perdoar é da condição humana. Tal como a limitação e o tempo. Para perdoar é preciso reconhecer os limites e deixar o tempo dar a sua contribuição. Sem pretensões de teses sobre o perdão ou o acto de perdoar, sei que somos capazes de dar esse passo, mas a partir de muitos outros prévios. Não se pode exigir o perdão a ninguém, nem mesmo o esquecimento. Aliás, perdoar não significa esquecer, de todo que não são sinónimos. Em jeito muito simples, perdoar significa chegar ao ponto em que não se deseja mal (com as suas muitíssimas variações) a quem mal (lhe) fez. E a recordação do acontecimento ou da pessoa que é/foi perdoada poderá ajudar a ver a vida e os outros de modo diferente.


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Mistérios da identidade



Martin Klimas

(Versión en español en los comentarios)

Muitas vezes busca-se definições que possam emoldurar quem se é. É verdade que é a forma de apresentação. No entanto, não pode ser reduzida a características absolutas. Alto ou baixa, gordo ou “Olivia palito”, emotivo ou racional, hetero ou gay, guineano ou holandesa, crente ou ateu, cristão ou islâmica, de esquerda ou de direita, praticante ou não praticante, doente ou saudável, médica ou varredor, corrupto ou irrepreensível, são exemplos de qualificativos com que se rotula a identidade. O Advento pode ser o caminho de quebrar rótulos até ao encontro de alguém que nasce confirmando que se tem de haver alguma definição, que seja a partir do “ser amado”. Aí também reside o “mistério da identidade”.



quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Perspectivas de Advento





(Versión en español en los comentarios)



A fé é um caminho de muita sinuosidade, onde todos os sentimentos são convidados a caminhar por esses passos. É na vida, com as narrativas que se escuta, lê e se encontra que a fé é movida. 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Aos [meus] professores





Queridas professoras, queridos professores,

Pode parecer estranho ou ridículo. Talvez desajustado, mas gostaria de vos agradecer publicamente. Agradecer de coração terem passado pela minha vida. Hoje fui ver O Substituto. Duro, intenso, real. Todos os que estão directa ou indirectamente ligados a educação deveriam vê-lo. É um valente “murro no estômago”. O ampliar da realidade presente no filme pode a ser a imagem do grito que de muitos sai. Se os que governam no âmbito educativo conhecessem de facto a realidade, o olhar para contas feitas ou por fazer seria diferente. Nem o professor seria mais um objecto, como uma cadeira ou uma mesa, nem os alunos seriam postos numa carreira de competitividade, esquecendo os valores mais altos de ser humano, nem a Escola se transformaria em mais uma empresa ou “depósito de filhos” em busca de lucros e objectivos.

A meio do filme comecei a recordar os meus antigos alunos, depois, e de forma bem definida, quem me ensinou a ser para além das matérias. Surgiu-me o forte desejo de agradecer. Talvez se dirá que a entrega faz parte de ser professor. No entanto, também o agradecimento faz parte do reconhecimento dessa mesma entrega, por vezes em dias duros, que não apetece nada ouvir os desaforos, enfrentar a má educação, ou ver o desalento ante a aprendizagem.

Há momentos que ficam na memória de muitas aprendizagens. Sobretudo o recordar o gosto com que as aulas eram dadas. Sim, enquanto via o filme apetecia-me agradecer o que recebi de cada um e cada uma de vocês. Sobretudo quando também tenho na pele a experiência de ser professor, de tentar educar e ensinar, enquanto se escuta no aluno outra realidade para além do caderno que não trouxe, ou da resposta agressiva e desobediente. Fui professor e, obviamente, também tinha vida fora das aulas: exterior e interior. Muitas vezes apeteceu-me dar um valente estalo, uma ou outra vez a voz saiu mais forte, mas há um carinho que fica, a estranha sensação de que se recebe mais do que se dá, literalmente. 

Dentro de dias tenho exame de “Virtudes”. Curioso estar em estudos sobre a fé, esperança e caridade e de seguida aterrar neste filme. A realidade na actualidade pede-nos isso mesmo: cultivar a confiança, no encontro do sentido, na entrega ao outro... sem ser em lugares idílicos, mas no concreto da História.

Com um Abraço, o meu Obrigado a cada uma, a cada um!

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Sentido de ser (IX) - Especial Advento




Elif Sanem Karakoç

(Versión en español en los comentarios)

“Chegámos à convicção de que, entre todas as coisas da terra, o primeiro a expor era a Mística do Corpo, já que é a mais desconhecida e a mais próxima de nós. Vivemos com o nosso corpo e através do nosso corpo. Ele é o nosso primeiro universo, a forma concreta do nosso ‘eu’, um instrumento universal e tão à mão, que é ao mesmo tempo o artista responsável e a primeira matéria da obra. Mas nós não conhecemos este corpo. Arrastamo-lo a trabalhos absurdos, sem dirigir-lhe sequer um olhar, sem que nos passe pela mente interrogar-lhe sobre tudo o que nos poderia dizer.” 

Victor Poucel,sj, em “Apologia do Corpo” (1959)