segunda-feira, 30 de abril de 2012

Sentido de ser (VII)



Amy Hildebrand

(Versión en español en los comentarios)

“Honro o outro não só como corpo, mas como corpo vivo, somo ser vivo: para além do corpo, venero o sujeito que o habita, honro o outro como pessoa espiritual e descubro que os seus gestos e as suas palavras são motivados pela sua estrutura pessoal. É o espírito do outro o que habita no meu espírito. O esforço de entrar no seu mundo de valores leva-me a aprofundar no conhecimento do meu eu, a confrontar o meu mundo de valores com o seu, às vezes faz despertar o quanto em nós está adormecido e descobrir o que somos e o que não somos.”
Edith Stein, in “O problema da empatia”

terça-feira, 24 de abril de 2012

Sentido de ser (VI)




"Drop" de Stuart Jesse

(Versión en español en los comentarios)

“O silêncio é necessário em muitas ocasiões, mas há que ser sempre sincero; podem-se conter alguns pensamentos, mas sem disfarçar nenhum. Há formas de calar sem fechar o coração; de ser discreto, sem ser sombrio y taciturno; de ocultar algumas verdades, sem as envolver de mentiras”.
Abade Dinouart, in “A Arte de Calar”

domingo, 22 de abril de 2012

Epifania (III)





(Versión en español en los comentarios)

Sento-me e recordo o ardor de coração, quando o passado começou a fazer sentido. Escrevo e as memórias afloram de maneira distinta. As notas que surgem embalam primeiro, depois confirmam que não se pode guardar a poesia, nem impedi-la de viver no meio do caos. A crise torna-se uma encruzilhada, pondo em prática a liberdade. Fico em casa mais um tempo. O presente é o início. 

sábado, 21 de abril de 2012

[Ceia]



"A festa de Babette" (1987)


(Versión en español en los comentarios)


Abro os dias
com a novidade.
Uma mesa posta
ao estilo antigo, 
com novos sabores
de frutos da época.
Preparo-me,
como as palavras,
nos seus muitos sentidos.
Dirijo-te o rosto,
baixando-o para ser elevado.
Reconheço o silêncio a guardar.
A gestação não é ruidosa,
o ser tem várias facetas.
As dores de parto serão passageiras.
O que fica:
a certeza da nova criação.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

A arte e o público e a arte





(Versión en español en los comentarios)


A Compañía Nacional de Danza (CND) daqui de Espanha iniciou uma campanha de sensibilização para a dança. Uma fotografia de cada pessoa, acompanhada da frase “le gusta la danza. ¿Y a ti?” (“Gosta da dança. E tu?”). Sabia que iam fazer esta campanha. Foi em Janeiro, aquando da primeira apresentação da CND com a nova direcção artística de José Carlos Martínez. No intervalo estavam a fotografar pessoas do público em geral. Também me fotografaram. Sei que o meu gosto por esta campanha também tem o seu lado subjectivo. No entanto, como não sei se me seleccionarão para aparecer na campanha, devo dizer que gosto mesmo desta ideia de relacionar o público com a arte, neste caso a dança.
Qualquer forma de arte sem público não tem sentido. O acto criativo, mesmo não tendo que estar focado no público, tem de o considerar. A questão não se prende em “vão gostar ou não”, mas como forma de dar algo, de promover uma relação. A criação é exteriorizada numa entrega, numa partilha. Pintar, esculpir, coreografar, dançar, compor, escrever, para ficar fechado é apenas uma idealização do processo criativo e não uma realidade artística. O acto de publicar confere a saída do tempo e do espaço do criador, dando-lhe uma nova abertura.
Quando vi as coreografias apresentadas pela CND em Janeiro, sabia que havia uma tensão no ar. Nacho Duato esteve anos à frente da CND e agora entra um novo director artístico. O que irá acontecer? Nova linha? Mudanças? O pouco que estava dentro do assunto restringia-se ao que havia lido sobre o tema, antes de ver as peças. Percebe-se então que há uma espera da reacção do público. O que dirá quem vai assistir? Com esta campanha há um convite claro da participação do público a ver, a saborear, a entrar na dança, reagindo a tudo isso. Também eu recordo o que senti.
Entrei no Teatro Zarzuela e caiam penas no palco. Para mi, a clara sensação de, mesmo estando a entrar, já estar a acontecer algo. A preparação já é acção. E a primeira coreografia já estava, de alguma forma, em marcha. Não temos a presença dos bailarinos, mas temos o cenário que já nos informa, do que entendi depois, da leveza de Extremely close, de Alejandro Cerrudo. Segue-se El espectro de la rosa, de Angelin Preljocj, Artifact II, de William Forsythe, terminando com Walking Mad, de Johan Inger.
Como alguém do público, fora do que senti e vivi em cada coreografia, a grande sensação foi: a CND quer apresentar algo novo, sem ter uma linha para além do: “Desde que seja bom, apresentamos”. Todas as coreografias eram bastante diferentes entre si e num dos intervalos houve o recordar da História da CND. Passado, presente e futuro.
O que mantém em comum tudo isto? A realidade do público. O público não é uma abstracção. São pessoas que sentem, vivem, aplaudem, criticam, soltam gargalhadas, choram e que de alguma forma afirmam que a arte é vida e não pode morrer. Em tempos de crise é fácil eliminar a arte, como se de um luxo tratasse. É verdade que as entradas são caras e não se pode ir a tudo. Mas não podemos esquecer que os artistas não vivem do ar e que entrar no mundo da arte é também entrar no mundo do humano. A arte permite uma relação com a humanidade, um vínculo que dá outra dimensão da vida. O que seria um mundo sem música? Sem pintura? Sem dança? No fundo, sem cultura? Sem dúvida que seria um mundo mais desumanizado.
A arte precisa do público e o público precisa da arte. A arte é um dos cumes do humano: a capacidade de abstracção e de acolhimento dos sentimentos que surgem nesse momento. Fazer o “desenho” da vida, em movimentos, pinturas, música. A arte, em si, não é um capricho, é uma necessidade humana, porque nos afecta. Podemos ter com que comer e beber, junto com um tecto, mas só com isso não somos felizes. Há necessidade de mais. O afecto, o vínculo, a capacidade de desenvolver uma relação abre as portas: da imaginação, da Vida que quer dar vida e respeito pelo outro, do artístico e, sim, da Fé. E isso é Ser Humano.
Parafraseando a campanha da CND: Sim, Gosto da Arte.
Afinal, a arte também é o público e o público também é a arte.
P.S. - Este sábado, 21 de Abril, quem possa, não perca o II Fé e Arte, em Braga. Mais informações em www.fe-e-arte2012.com

terça-feira, 17 de abril de 2012

Diálogos Ocultos (IV)





(Versión en español en los comentarios)


- Não te parece que está na altura de abrir os olhos?
- Não me apetece, há todo um mundo de recordações a passar diante de mim... a partir da suavidade.
- Já alguma vez tiveste a sensação de regresso a casa?
- Hmm, como que viver cada canto e cada história? A linguagem que só as entranhas conhecem? Afinal, o que é a casa senão o mais intimo que não nos pode ser tirado?
- A isso chama-se liberdade. A possibilidade de regressar a casa, esteja-se onde se estiver. Não importa o lugar. 
[Abre os olhos]
- Ah, esse olhar tão teu. Tenho para mim que estiveste lá.
- Foi de passagem, mas senti-me livre, plenamente livre, por momentos. 

domingo, 15 de abril de 2012

[Jo 20, 24-29] *




"A incredulidade de Tomé" de Caravaggio 

(Versión en español en los comentarios)


* Tomé, um dos Doze, a quem chamavam o Gémeo, não estava com eles quando Jesus veio. Diziam-lhe os outros discípulos: «Vimos o Senhor!» Mas ele respondeu-lhes: «Se eu não vir o sinal dos pregos nas suas mãos e não meter o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mão no seu peito, não acredito.» Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez dentro de casa e Tomé com eles. Estando as portas fechadas, Jesus veio, pôs-se no meio deles e disse: «A paz seja convosco!» Depois, disse a Tomé: «Olha as minhas mãos: chega cá o teu dedo! Estende a tua mão e põe-na no meu peito. E não sejas incrédulo, mas fiel.» Tomé respondeu-lhe: «Meu Senhor e meu Deus!» Disse-lhe Jesus: «Porque me viste, acreditaste. Felizes os que crêem sem terem visto!»


Não sei se são contos.
A morte não foi um jogo.
O véu rasgou-se, sim,
mas o corpo,
em tarde eclipsada,
foi acolhido em braços caídos.
O desalento, a cor, o silêncio,
o retumbar da pedra
na escuridão da gruta,
foram testemunhas do fim.
Pedem-me para crer?
Depois de tanto vivido,
estou cansado de fantasmas,
de histórias desencantadas,
de entusiasmos gastos
pelo etéreo sem mundo.
Apenas peço que os sentidos
doados ao nascer 
sejam o registo
desta minha forma de fé.
Eu quero crer. 

Escuto o meu nome.
Obediente estendo a mão.
Vejo e toco as marcas
da História viva.
Será paz o que me envolve?
Ou a certeza de que sou atendido
nas preces da agitação?
Creio, Senhor.


quinta-feira, 12 de abril de 2012

Tempo(s)



"on time" de J F Rauzier

(Versión en español en los comentarios) 



Um dos sinais da Ressurreição:
Os tempos do espírito podem não seguir o Tempo comum.
A espera do Advento, em jeito de deserto quaresmal, vive o seu ser em travessia.


quarta-feira, 11 de abril de 2012

Sobre a palavra... e no final o abraço também.



"The Gorbals" de Bert Hardy

(Versión en español en los comentarios)


Gosto muito de ir ao sentido das palavras, na poesia, na literatura, até mesmo na simples conversa. São muitas as vezes em que dou voltas às palavras, à sua origem e ao seu significado. Muitas vezes cheguei a dizer aos meus alunos para, em caso de dúvida sobre o sentido da frase, colocarem perguntas à(s) palavra(s). Se é uma negação, uma afirmação, se é composta e de que forma. A beleza está em dar corpo à racionalidade. 
Nós, humanos, temos a tendência em colocarmo-nos, ou apenas no lado da razão, ou somente no lado do corpo (os sentimentos, emoções, sensibilidade). Parece-me que a grandeza reside na capacidade em articular ambas. Que tem a sua dificuldade. A nossa parte animal impele à reacção imediata: chama-se sentido de sobrevivência. Quando se centra no racional, pode-se ficar num intelectualismo perigoso, que esquece o quotidiano, o toque do sentir. Dar corpo à palavra poderia ser essa capacidade de articulação dessas duas dimensões tão nossas. A palavra é a razão, o seu sentido mais profundo em nós seria a encarnação da mesma. Também por isso dou muitas voltas ao prólogo de S. João: “No princípio era o Verbo. (...) E o Verbo fez-se carne e montou a sua tenda no meio de nós” (Jo 1, 1.14). A Palavra que constrói a morada carnal na humanidade. É o contínuo jogo entre a razão e os sentimentos. 
O Humano é chamado à Palavra e ao Abraço.



terça-feira, 10 de abril de 2012

Diálogos Ocultos (III)





(Versión en español en los comentarios)


- Se fecho os olhos volto a sentir a suavidade da tua mão.
- Seria tudo tão mais simples se as mãos fossem dadas sem medos. 
- Sim, mas há todo um mundo de cuidados a ter com imagens e interpretações. 
- Por isso é que gosto que também me vejam como um abrigo... daí a suavidade.
- É preciso partir...
- ... Sim, isso, ir mais longe, quebrando aquilo que não é...
- ... Ganhando uma nova respiração e um novo andar. Acho que já vou aprendendo algumas coisas.
- Não te preocupes, toda uma vida. Há tempo para tudo...
- ... até para fechar novamente os olhos e sentir a suavidade da tua mão.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

O silencioso dia de Páscoa





Da banda do sonora do filme Água (2005) de Deepa Mehta 

(Versión en español en los comentarios)


A Ressurreição de Cristo também tem o seu quê de silêncio. Na calada da noite, onde outras visões se tocam, o Corpo ganha outra forma. Atravessa o espaço e o tempo, mantendo as propriedades desse mesmo espaço e tempo. A passagem que une Vidas. A História mantém-se: o lado, as mãos e os pés assim o revelam. Mas já não são a marca definitiva. A certeza dá-se na Vida que entra por portas e umbrais de outras histórias: a de cada ser. 
Escolho esta música para ilustrar este meu sentimento silencioso desta Páscoa. Água. Um filme forte, intenso, onde a morte toca a vida, estando a ponto de ter a última palavra. No final, o rio é cruzado. É passagem! A Vida atravessou mais uma morada.
Santa Páscoa!

sábado, 7 de abril de 2012

Sábado Santo




"Quest for silence" project de Brice Portolano

(Versión en español en los comentarios)


Escuto mas não sei
se o que oiço é silêncio
ou Deus

Escuto sem saber se estou ouvindo
o ressoar das planícies do vazio
ou a consciência atenta
que nos confins do universo
me decifra e fita.

Apenas sei que caminho como quem
é olhado, amado e conhecido
e por isso em cada gesto ponho
solenidade e risco.

Sophia de Mello Breyner Andresen


sexta-feira, 6 de abril de 2012

Sexta-feira Santa







“Tudo está consumado.” E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. 
[Jo 19, 30]

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Quinta-feira Santa




"Sunray Vision" de Ramon Haindl

(Versión en español en los comentarios)


Hoje é o dia do olhar desnivelado.
De toalha à cintura, a visão começa nos pés e termina no rosto... do outro!
Primeira passagem: Mestre a Amigo.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Silêncios




"Biwa Lake Tree, Study 2" de Michael Kenna

(Versión en español en los comentarios) 

O caminho podia ser descrito através dos silêncios passados ao longo da vida. 
O silêncio da alegria, o silêncio da espera, o silêncio do encontro, o silêncio de um beijo, o silêncio da oração, o silêncio diante da vista sem fim, o silêncio da impotência, o silêncio da raiva, o silêncio da injustiça, o silêncio da dor, o silêncio do escuro, o silêncio do incógnito, o silêncio do desencontro, o silêncio do desespero, o silêncio do final de uma peça musical, de um dizer, de um poema. O silêncio ante uma pintura, coreografia, o silêncio de uma catedral, o silêncio de um centro de metrópole, o silêncio do campo, o silêncio de um abraço, o silêncio de uma viagem, o silêncio do céu, o silêncio das nuvens, o silêncio do tempo, o silêncio de uma praia em pleno Inverno, o silêncio após escutar “Tudo está consumado.” E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. 
O silêncio que acompanha o nascer de uma nova vida, que começa a fazer caminho.